terça-feira, 30 de agosto de 2011

Menina má

E que me perdoe Vargas Llosa, do alto da nossa intimidade, mas a minha menina má é bem diferente da dele. Ela mora dentro de mim, me arranha as entranhas, me cutuca, me sacode até explodir e me joga na cara o fato de que, quase no apagar das luzes, eu ainda continuo aqui. Sereno por demais, uma fortaleza trancada, eu não consigo me encaixar. É, menina má, eu não me encaixo na orgia, eu não me encaixo na folia e nem na calmaria. Questiono-me se esses muros tão altos à minha volta não teriam sido arte das suas feiuras. Os danados, mesmo parados, só me atraem melancolia. Não sei para onde ir ou o que fazer com essa dor, se a minha cura, menina má, é o meu próprio amor. Eu sou a causa e o efeito, um estranho perfeito.

Essa menina má é cruel, bipolar, conhece tudo aquilo que está em mim e até aquilo que não cabe aqui. É impressionante a sua capacidade de levar-me, em umas vezes, bem próximo do fim daquele túnel, e de repente puxar-me com tanta atrocidade e me jogar, num piscar de olhos, para um lugar longe até mesmo de avistá-lo. Nesse vai e vem, o pobrezinho aqui continua vulnerável. Eu não consigo ser estável, confesso, condição deplorável. Eu não me aceito nos meus dias, não me encontro nas noites frias, não me entendo, achei que menina má já tinha me esquecido. Existe começo do recomeço? Existe hoje, depois de tanto ontem? Existirá um dia depois desse distante amanhã? É possível uma mente ser insana, mesmo já tendo sido tão sã? Existe um ser inteiro, mesmo diante de um escancarado sinal vermelho? Não sei. E você, menina má, sabe? Claro que sei.

Eu (eu mesmo) só sei que, no dia em que essa angústia se desprender de mim e essa menina má que mora no meu peito me libertar, prometo buscar todas as respostas logo ali, na frente da janela, e traduzir em simpatia essa longa jornada e torná-la bem mais bela. Pronto parei, já prometi muito, não quero prometer mais nada. Sai menina má! Eu quero apenas querer. Ser. Sai menina má! E desejo tanto ser só eu, ser inteirinho meu, que nunca me esquecerei de tudo o que me aconteceu, mas mesmo assim o serei. O coração envelheceu, já quase amoleceu, mas tá aí, são e salvo. Viveu. E vou jogar a menina má para bem longe de mim, a um milhão de quarteirões da minha esquina, que nem dará tempo de pensar em voltar.

E se voltar, tentarei trancar a porta. E se mesmo assim passar, farei de tudo para que esse desejo supremo de me (re) conhecer não se perca de mim e que ela não roube a minha esperança. Vou fazer das confusões cotidianas um liquidificador de sentimentos e farei todas aquelas contradições se dissiparem na dor. É, menina má, eu vou ganhar. Aquela magia, mesmo que tardia, ressuscitará de uma forma que eu sequer vou perceber. Se me restou apenas o que estou hoje ou o que ainda serei, pegarei cada vírgula desse tédio e darei descarga.

Essa menina má quer que eu seja vazio, invisível, que fique pela metade, que eu seja a exposição mais clara da passividade. Eu, pelo contrário, quero inteiro, vermelho, as duas metades, a desconstrução mais completa dessa intensidade. Eu quero fluir, ela quer me moldar. Eu quero os meus dias, ela quer todo o meu resto, eu quero os fatos, ela traz-me só dados, eu quero a calma, ela leva-me a alma, eu quero a vida, ela traz-me a morte, eu quero me encaixar e, ela, me esnobar.

Eu quero ser inteiro e não pela metade. Eu quero ser inteiro, ter a alma libertada. A menina má me quer e que eu seja sempre dela, um pseudo-libertino. Eu vou desencaixar, eu vou me libertar. Menina má, eu vou te derrubar. Por que o encaixar do amor só se libera sem maldade, o meu aflorar só se desfaz na tua vaidade e o sentimento de ser, nem sempre, na sua outra metade. 


Tchau, menina má!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Cansaço


Estou cansado. Cansado de tentar jogar pedras para o alto, de levar flechadas do estranho, cansado de mim e de relutar em aceitar que a minha vida, hoje, é diferente daquilo que eu esperava. Cansado dessa inquietude, dessa pseudo-plenitude, indo rumo ao completo desconhecido.

Há alguns minutos, estava eu ali na esquina de um lugar qualquer, vendo o ir e vir de cidadãos enlouquecidos, o trânsito alucinante, o bêbado na vala e o céu, agora azul, bem diferente dos cinzentos de outrora. O tempo não para e nenhum sentimento, novo ou velho, cala. Hoje não há o que se concluir, não quero pensar em partir, fechar com rimas ou muito menos desistir de mim. Hoje não, estou esgotado. E nessa esgotabilidade sem fim, andei pensando até em ir à Índia e virar hippie, imaginei-me em Londres como um yuppie, talvez voltando à Nova York, porque a vida é bonita e dá voltas, ou até partindo para o inusitado, sei lá, talvez em Marrakesh, em Bangkok, no Ceará ou algo mais próximo de cá, aqui, acolá.

Estou cansado de tentar tentar, cansado de insistir e não me alcançar, cansado de ficar à deriva e levar uma vida, assim, a deus dará. Tento dirigir, ir de táxi, de calhambeque bibi, de veraneio vascaína, de trem das sete, das onze ou até de expresso da meia-noite, se preciso. Mas, não tenho nem ideia de onde isso tudo vai dar ou aonde quero chegar, e simplesmente volto à esquina. Aquela mesma esquina, de um lugar qualquer. Agora, a moça bonita de rosa passa, o caminhão da padaria para, percebo que a minha roupa está um pouco mais larga do que antes, a barriga diminuiu um pouco e essa mente, incessante, não dorme e não para. Observa, analisa, respira, inspira e transpira.

Estou cansando de me viver e tentar livrar-me do meu ego. De tanto esgotado, eu ainda que me entrego. Inevitável erupção. Interrupção infalível. O trabalho chama, os amigos clamam, o novo grita, o desejo explode e eu, bom, eu me encolho e me recuo. Talvez apenas aquele fio de água gelada do chuveiro ou o quadro branco que insiste em me encarar diariamente no escritório entendam que o que eu preciso mesmo é de choques ininterruptos, de uma desautomatização ainda distante e de um universo sem fronteiras, pois tudo aquilo que está ao meu redor eu já sei de cor.

Estou cansado de me aguentar e, confesso, aquela mesma esquina de um lugar qualquer até teria poderes para me levar às profundezas do meu universo ou até ao fio da navalha. Mas, mundo meu, convença-me que valha! Estou cansado, bem cansado e ponto final. Estou cansado de ficar cansado. Insônia, a rainha do meu lar, hora é fonte de inspiração, hora um deserto da melancolia. Ainda me deserdo, seu lerdo. Por que logo aquele peso, que era tão distante, agora é um presente constante?

Estou cansado e, valham-me os deuses, não canso de me tentar. Estou cansado e, valham-me os Homens, me velo e me seqüelo. Eu canso, canso, canso. Hoje não sou, sei lá se fui um dia. Eu canso, canso, canso. Hoje amargura, desprovido de magia. Eu canso, canso, canso, e depois descanso. Mas, canso, canso, canso, e prefiro assim: devagar, leve e bem manso.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Desejos

E hoje, despretensiosamente, reflito e concluo: não há nada material que me mova, me maltrate, ou algo que eu deseje desesperadamente. Pois bem, tenho que comprar um carro, mas não me atrai nem aquele um ponto zero baratinho, usado, sequer o quatro por quatro maravilhoso que há tanto almejava, aquele que eu namorava diariamente na vitrine da loja. Até comprei uma televisão maior que a minha própria sala, mas nem consegui liga-la desde então. A minha mesa, bem bonita e lá de Tiradentes, sei lá se faz sentido. Afinal, eu como mesmo é no sofá. O meu celular tem internet, manda e-mail, mas de que adianta se o que eu quero mesmo é pessoal? Minhas viagens, as fotografias e todos aqueles badulaques. De que adiantam também, se é na memória que vou achar as lembranças mais belas? Pergunto-me, então, até onde vai o meu desejo e quando é que me revelo? O que eu quero e o que, efetivamente, me faz bem? Onde estou? Para onde vou? Não sei, só desejo o que restou. O que estou hoje.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

As vinte e cinco músicas mais tocadas de todos os tempos no meu ipod no último ano (+ duas)


Para lembrar: Flor da idade (Chico Buarque)
Para nascer: Let it be (Beatles)
Para viver: Hey Jude (Beatles)
Para sofrer: 6 minutos (Otto)
Para sofrer (um pouco mais): Onde estará o meu amor (Chico César)
Para sofrer (ao quadrado): Filha (Otto)
Para sofrer (e mandar o mundo inteirinho se fuder): Crua (Otto)
Para dramatizar (e ficar brega): Volta pra mim (Roupa Nova)
Para afogar as mágoas: Tears dry on their own (Amy Winehouse)
Para pensar no novo: Loving strangers (Russian Red)
Para (re) lembrar: Subúrbio (Chico Buarque)
Para (re) nascer: Galope rasante (Zé Ramalho)
Para (re) viver: A horse with no name (America)
Para meditar: Illumination (Secret Garden)
Para inspirar: Pé do meu samba (Mart’nália)
Para sorrir: Felicidade (Marcelo Jeneci)
Para viajar: Dura na queda (Chico Buarque)
Para voar: June afternoon (Roxette)
Para (se) jogar: Eu quero é botar o meu bloco na rua (Sérgio Sampaio)
Para desejar: A cor do desejo (Ney Matogrosso)
Para dançar: Caio no suingue (Pedro Luís e a Parede)
Para extravazar: Can´t buy me love (Beatles)
Para gritar: Cry Baby (Janis Joplin)
Para gozar: Psycho Killer (Talking Heads)
Para explodir: Feito pra acabar (Marcelo Jeneci)

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Para ser a mais inesquecível: Por una Cabeza (Astor Piazolla)
Para ser a melhor de todos os tempos: O mundo é um moinho (Cartola)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Até o fio da navalha


E nessa de tentar me convencer de que o mundo é grande, de que as coisas materiais são passageiras, de que os Homens irão se respeitar, de que a liberdade plena há de vir, de que arte e cotidiano tem o direito de se confundirem e, eu, de me iludir, vem essa realidade nua, crua, cuspira e escarrada, me choca com um toque de recolher abrupto, coloca minha bandeira a meio-pau e me dilacera com um desejo supremo de explodir. Será que nada vai mudar?

Eu, que fui lá bem perto do fundo do poço, questionei-me nos atos, busquei-me no vácuo e montei-me inócuo, garanto: por mais que ainda não tenha chegado a hora de querer fugir ou de pensar em partir, a leveza desse ser ainda está longe de vir. Ingênuo que só eu, chego a cogitar o novo, renovar o bojo, encher de lápis coloridos aquele velho estojo. O mundo é menor do que eu queria, é fato que preciso dar um tempo ao tempo, sinto que a minha arte não é bela, mas sincera, me reconstruo em forma de aquarela.

Devo seguir aquela estrada amarela, tão singela que só ela. Nessa jornada, deveras longa, ei de descobrir os desejos distantes, por demais impactantes, me desprover de todos os antigos sonhos e das faltas certezas. Se essa overdose de presente não me enganar, eu me prezo e não vou me entregar. E se o acaso escancarar-me que um dia vou morrer, eu desvio e lhes digo: nem antes, nem outrora, a minha hora é agora.

Se a morte é iminente, viverei com tanta intensidade para fazer valer a pena esse intervalo sem fim. E se as únicas opções que me derem forem a direita ou a esquerda, vou escolher sempre ir pelo meio, incerto, buscando um sol que brilhe para mim, até que um dia, enfim, o sino bata e avise: meu amigo, chegou a sua vez.

Enquanto esse dia não vem, prometo aceitar esse meu sangue interiorano, o meu veneno taurino e o meu jeito latino, lançar-me na vida com tanta atrocidade que nem dará tempo de pensar em voltar. Prometo jogar-me na velocidade terrível da queda, fazer de todas as manhãs sãs, de todos os dias vívidos e de todas as noites minhas. Prometo enlouquecer-me na minha sanidade, encher todos os meus copos de presente, embebedar-me do momento, enxugar-me dos meus prantos e descavar-me desses antros. Eu prometo colocar o meu bloco inteirinho na rua.

Prometo lutar insistentemente pelas minhas convicções e pelos meus desejos. Prometo levantar da cama e ficar de pé, prometo ir para a rua quando a lua me chamar e prometo também não sair só. Mas que, se um dia o tiver que fazer, irei sem dó. Prometo não tentar carregar mais do que eu possa aguentar, dançar na chuva quando ela vier e tragar aquele cigarro lentamente, como se fosse o último. Prometo chorar, sorrir e espernear nos momentos de alegria, mas também prometo me recolher naqueles de melancolia. Eu prometo ser poeta, profeta e ter uma triunfal imaginação, ser daqueles que sobe em cima da mesa e pede uma, e pede dez, e pede mil!

Prometo me mostrar a vida e nunca mais a mim dizer que é despedida. Não vou dar bobeira, não vou sentir culpa, eu vou jogar fora tudo aquilo que não cabe em mim e me encontrar nas profundezas do meu próprio mar sem fim. Pois, se a gente é mesmo feito para acabar, eu prometo viver até que a última gota de suor caia, até que o último suspiro valha, até o fio da navalha.

domingo, 14 de agosto de 2011

Um presente para ele

Outro dia, atendi ao telefone e logo ouvi: “Fala poeta!”. Fiquei paralisado por alguns instantes, sorri sozinho, mas mantive a conversa como se nada estivesse acontecendo. Falamos de trabalho, da saudade, do dia-a-dia e de coisas quaisquer, mas aquilo me marcou, entrou para a lista de “coisas a serem publicadas” e ali ficou guardadinho, esperando o momento certo. Na ocasião, o meu leitor deveras empolgado do outro lado da linha era o meu pai. Decidi hoje, então, responder com esta carta aberta. 

Poeta, eu? Pera lá. O artista aqui é você. Quem é que já regia aos quinze, flauteou e trumpeteou como ninguém e uma banda inteira orquestrou? Quem é que revolucionou a cena artística varginhense – e olha que tarefa difícil! -, que é a referência em produção cultural na região e que despertou em mim esse lado mágico da vida que é trabalhar com arte?

E foi exatamente assim. De certa maneira, eu fui preparado para virar engenheiro, advogado ou médico. Não que toda a família me induzisse a tal, pelo contrário, mas o ambiente que cresci, a escola, os amigos de infância, os pais caretas dos amigos e a sociedade pra lá de tradicional sempre me remetiam ao “lado negro da força”. Mas foi aos quartoze, quando comecei a entender um pouco mais de como as coisas funcionavam, que decidi segui-lo. Você nem percebeu, mas desde já eu comecei a te enganar. Ali dei os primeiros passos, hora panfletando, hora vendendo ingressos, depois fingindo que sabia fazer. Fingia que sabia fazer produção. E fingia muito! Fingia que cuidava da segurança, da portaria, eu fingia que sabia cuidar do camarim e tinha certeza de que alguma coisa estava sendo feita por mim. E você, silenciosamente sempre ali do lado, observando e cuidando para que eu não fizesse nada de errado, mas que mesmo assim continuasse acreditando que eu mesmo é que estivesse cuidando de tudo. E eu, claro, caía.

Logo depois, quando fui para a capital atrás do meu sonho, descobri o universo dos projetos, me especializei nas danadas das leis de incentivo e dali parti para chegar onde estou hoje: feliz. E agora, quase aos trinta (tarde, confesso), faço questão de escancarar essa inspiração que, por mais que sempre estivesse presente no nosso dia-a-dia, nunca tinha sido verbalizada. Sempre ali oculta, nas entrelinhas, apesar de todos sabermos de onde vim e porque é que eu estava ali.

O meu pai é diferente. Ele organizava os campeonatos de xadrez apenas para que eu pudesse manter acesa a chama do meu sonho, ele faz um festival de rock n’ roll na roça, um outro na estação de trem, ele dirige um teatro e rege uma banda inteira. Ele tinha uma labradora, hoje tem uma poodle, ele toma todas comigo ou sem-migo, leva o meu vô Tarzan para pescar e faz o melhor frango ensopado que eu já comi. Ama infinitamente a minha mãe, ama a mim e aos meus amigos, volta e meia fico espantando com os tantos outros que também o amam, o admiram ou o tratam como um mestre. E ele é exatamente isso, um mestre. O seu pode até fazer isso tudo vezes dois, mas eu sempre vou ficar com o meu.

E é por isso, pai, de peito cheio e com muito orgulho que hoje eu digo:
O jazz aqui é você. Eu sou apenas a cópia.

Provavelmente, quando estiver lendo tudo isso, eu já estarei longe e de volta à rotina. Se nesse momento encher os olhos d’água, não segure, porque assim que é bonito.

Espero estar retribuindo a todos esses anos de amor, carinho, educação e a forma de condução que você e a mãe – que depois receberá também um texto exclusivo - deram para a minha vida.

Feliz dia dos pais.
Te amo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A função da escrita

Porque escrever é arte, não se confundam.
Falo por mim, sugiro por todos nós.

Sobre mim, como antes anunciei, tenho me alternado entre “posts rápidos de poeminhas bobos e textos densos de sentimentos tolos”. Nunca estive tão mal quanto me revelo nos melancólicos, tampouco exclusivamente bem, inteiro e fortemente armado, como tento me apresentar nos demais. Estou exatamente no meio. Os sentimentos são apenas singelas inspirações, um empurrãozinho para o rascunhar, pois raramente são eles que escolho para postar.

Sobre todos nós, devo apenas sugerir. Nós, vãos escritores, vivemos basicamente de duas coisas: tentar e tentar. Hora, tentamos nos mover pela imaginação. Hora, aumentamos e inventamos para tentar convencer. Mas, repetidamente, tentamos surpreender pelo jeito inusitado, exclusivo ou descolado da escrita. Buscamos aquilo que não está nos gibis, nas revistas e nos best-sellers, aquilo que está oculto, no inconsciente ou no fundo da gaveta, aquilo que nenhum ser-da-escrita antes conseguira alcançar. Alguns apelam para as rimas, outros para citações musicais, contos ou poemas, uns tentam ser simples cópias de autores e desautores raramente lidos. A coincidência é que sempre escrevemos para vocês também, claro. Mas, não se iludam, são meros coadjuvantes e sempre o serão. A nossa busca é por tentar trazer à tona apenas aquilo que nós mesmos queremos, pois somos os nossos próprios leitores, somos a causa e também somos o efeito.

Várias vezes ao dia acessamos o blog para verificar novos comentários, o número de visitas, ou só para darmos uma espiadinha mesmo, daquelas bem escondidas até da nossa sombra. Somos tarados. Desesperamo-nos quando não há nada novo ou quando não vemos nenhum “curtiu” ou “sorriu”. Nesses momentos cruéis, julgamo-nos a farsa, a escória e temos a certeza absoluta de que os holofotes não funcionaram. Não conseguimos lhes enganar e, mesmo postando e insistindo por diversas vezes, não funcionou. Em outros, nos deparamos com despretensiosos comentários, sejam anônimos ou identificados, alguns “adorei” ou “chorei”. Leituras diversas e adversas daquilo que de fato esperávamos, a tentativa de traduzir em palavras aquilo que julgávamos impalpável. Nesses momentos, meus caros, geralmente sorrimos.

Devo confessar que estou nessa aventura há pouco, mas tenho me surpreendido dia após dia comigo mesmo e com as raras fontes de inspiração que porventura vêm sendo desvendadas. Hoje, por exemplo, me inspirei com ontem, com um azulejo do banheiro e até com o fio de água fria que saía do chuveiro. Nesses momentos – que antonimamente estamos sem os nossos mais fiéis, os rascunhos – saímos correndo, desesperados e desenfreados para psicografar. E não é raro também sentarmos em frente ao caderno e tudo ficar vazio, tudo novo (de novo) e voltarmos ao início. Mas, de forma mágica e poética, em outras vezes aquela palavra torna-se um texto, aquele momento torna-se um conto, aquela viagem torna-se um livro, aquele comentário nos abre um mundo. E a gente, ufa, respira fundo.

Vivemos numa cruel e insistente busca por mensagens insólitas, leituras dúbias, ditos subliminares. Tentamos escancarar aquilo que aparentemente não é e esconder aquilo que com certeza é. Fingimos explicitar as coincidências, jogamos falácias para omitir sentimentos e remetemo-nos a momentos nunca existentes. E nesse eterno jogo de palavras e ideias, sistematicamente temos que fechar com chave-de-ouro. E quando conseguimos encaixar, meus amigos, aí é uma explosão de gozos ininterruptos.

A escrita, na verdade, não tem uma função muito clara. Pelo menos não pra mim. Não é alcançável, não dá para pegar ou tocar, não consigo nomear. Não há conceito coletivo, a escolha é sua. No final das contas, a minha escolha é fazer dela uma ponte entre a realidade e a ficção, entre o sim e o não, entre a melancolia e a diversão. Fico apenas com me aliviar, me acalmar e me encantar. Escondo-me na tristeza, revelo-me na destreza. Porque se escrever é arte, a mim enganar também faz parte.


Já os meus pares, aqueles que chamei de “todos nós”, talvez eu consiga nomear. A esses seres melancólicos, românticos, incompletos, inspirados, desautores, falsos poetas ou pseudo-escritores que, assim como eu toparam se aventurar, dou o nome de loucos.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Estranho, eu?


Estranho estar estranho, estranho as entranhas, estranho as minhas manhas.
Estranho as manhãs, estranho as maçãs, estranho as coisas vãs.
Estranho o meu vício, estranho esse meu jeito, estranho o meu peito.
Estranho o que me move, estranho os meus móveis, estranho as coisas jovens.
Estranho o que toco, estranho o que vejo, estranho tudo à volta.

O estranho do ninho (do post), não sou eu.
Sou um estranho em mim.


Uns vão, outros vêm

Enquanto uns se vão, com a atrocidade, a brutalidade e a velocidade um raio.
Outros logo vêm, com a leveza e a doçura da delicadeza.

Enquanto uns se vão, sem lastros, com marcas, desprovidos da lembrança.
Outros logo vêm, com simpatia e alegria, carregados de esperança.

Enquanto uns se vão, disfarçados e dilacerados.
Outros logo vêm, imunizados e despreocupados.

Enquanto uns se vão, aliviados da dor.
Outros logo vêm, floridos de amor.

Enquanto uns se vão, para plagiar ou desviar.
Outros logo vêm, para encaixar até calcar.

Enquanto uns se vão, com todos os seus contrapontos.
Outros logo vêm, recheados de reencontros.

Enquanto uns se vão, sem pensar no futuro.
Outros logo vêm, fincam antro maduro.

Enquanto uns se vão, com a melancolia de um passado distante.
Outros logo vêm, de um passado presente e constante.





Porque, como no trânsito caótico de ontem:
o lado vermelho vai, mas o branco vem.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Encontros, reencontros e coincidências

Outro dia, escrevi: “a vida é mais bonita quando é feita de felizes coincidências”. Não que eu tenha me referido a algum fato concreto, mas algumas pessoas acabaram curtindo, outras comentando e isto me fez refletir.

Afinal, a vida é encontrar e reencontrar, chegar e partir. A vida é feita pra coincidir. Canso de tentar buscar, algumas vezes evitar, mas é infalível: sempre me reencontro com aquilo que nunca encontrei, me encontro com aquilo que sequer toquei, me coincido com aquilo que jamais busquei. Por mais que carreguemos conosco algum tipo de esperança mórbida, da volta à normalidade, da cura, acabamos nos surpreendendo nos momentos mais despretensiosos. E como são gostosos.

As coincidências infelizes também existem, é claro. Tento disfarça-las, ignorá-las, ter a ilusão de que ficarão ali escondidinhas, a ponto de jamais se revelarem. Mas, as danadas me perseguem, se impõem no meu dia-a-dia de forma bruta (e abrupta), eu simplesmente as aceito. Errado? Acho que não, sabe se lá. Errado mesmo é acreditar que tudo será como antes, que nada é feito para acabar, que um dia faremos o tempo parar. Não temos nenhuma máquina retroativa, nenhuma ferramenta condutiva, só a certeza de que qualquer ação jamais será corretiva.

Vivemos de alucinógenos, fugas e recaídas. Vivemos da vertigem, da adrenalina e da anestesia advinda dessa ironia. E aí, seguimos assim, nessa de tentar nos corrigir, nos reinventar, buscar o novo e tentar mudar. Disseminar, cavalgar, ressuscitar. O chão cai, a cama fica vazia, a violência quase nunca é tardia. A pele fica crua, a alma fica nua. Mas aí vêm as coincidências, insólitas, lá do meio da rua. E tudo muda da noite para o dia, é só olhar para a lua.

Não gosto de pensar em despedidas, situações mal resolvidas. Gosto de me levar, deixar levar, não tentar me enganar. Vomitar. Pois se essa é a única forma de me entender e me aceitar, não tenho que negar. Gosto de anular todos os meus desejos, mas também gosto de descobrir aqueles que estavam mais ocultos, no inconsciente ou lá no fundo do guarda-roupa. Gosto de me deparar, gosto de me revelar, gosto de me inovar. Não gosto de partir, prefiro me coincidir. Coincidências, boas ou ruins, fazem parte de mim.


Já quanto à ansiedade que me percorria o corpo antes de isso tudo começar, bom, confirmou-se a minha alteração comportamental. Fumei uns cigarros, tomei vários drinks, abri o apetite. Eu dormi. A melancolia até bate a porta, mas reluto em abrir. Que há uma ferida grande a cicatrizar, não tenho dúvidas, pois se não houvesse eu juro que seria mais fácil. Não haveria dor, mas também não seria amor.

No final das contas, o que vale mesmo é que ainda tenho muito a descobrir, coincidir, encontrar e reencontrar. Deixar o tempo cuidar das coisas, porque assim é que é bonito. 

domingo, 7 de agosto de 2011

Adaptabilidade



O pneu furou, trocou.

O chuveiro queimou, o vizinho salvou.
O empregado faltou, ele mesmo lavou.
O ppt não abriu, improvisou.
O plug não funcionou, trocou.
O salário aumentou, economizou.
O encontro inesperado rolou, excitou.
Pediu um beijo, enrolou.
Sentiu desejo, raptou.
Buscou o novo, encaixou.
Precisou reinventar-se, danou.
O amor não acabou, equilibrou.
A regra mudou, adaptou.

Idade, vaidade, metade.
Sinceridade, ansiedade, necessidade.
Incapacidade, imortalidade.
Adaptabilidade.

Como o ser humano é tão capaz de substituir a si mesmo?

sábado, 6 de agosto de 2011

Eu queria ir embora

Eu queria ir embora desse planeta apenas com um papel e uma caneta.
Que é para me inspirar, rascunhar, tentar contar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com umas coisinhas na maleta.
Que é para não sujar, fazer durar, poder me trocar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com uma jaqueta.
Que é para não esfriar, conformar, a mim confortar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com uma violeta.
Que é para aflorar, respirar, tentar cheirar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com uma borboleta.
Que é para planar, bater asas e poder voar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com uma corneta.
Que é para chocar, buzinar, não parar de gritar.

Eu queria ir embora desse planeta apenas com uma gaveta.
Que é para guardar, armazenar, não pensar em voltar.

Mas, insisto em insistir.
Meu lema eterno é ficar ou partir.
Não hoje, não amanhã, para não desistir.
Resistir.

Porque o que eu queria mesmo era ir embora desse planeta apenas com uma lambreta.

Que é para vagar, sem me preocupar.
Que é para sair, sem a mim resistir.
Que é para correr, perdoar e viver.


Descobri

E aí que hoje, infelizmente, eu descobri que descobrir nem sempre me faz sorrir. Eu não dormi, eu não comi, não digeri. Eu descobri, também, que quero me descobrir. Pensei em partir. Eu descobri que descobrir é aleatório, mas quase nunca simplório, nem sempre satisfatório. Eu descobri minha covardia no silêncio e a minha rebeldia na nostalgia. Eu descobri que eu não morri, mas que nem sei se estou aqui. É, a gente não escolhe. Às vezes fica mole, às vezes se encolhe.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Do avesso

Hoje eu acordei às sete, o que não fazia há tempos. Eu escovei os dentes antes de tomar banho, troquei os quadros de lugar, me enxuguei mais rápido do que podia imaginar. Eu comi antes de trabalhar e não fumei antes de me arrumar.

No trabalho, dei bom dia a todos, com beijos, e a todos também sorri. No almoço, tomei suco. E, no lanche, uma fruta. Fui a um bar que nunca tinha ido antes, bebi whisky ao invés de cerveja. Eu vi um filme, ao invés de novela. Eu li um livro, ao invés de um filme. Eu não liguei a televisão.

Eu escrevi uma música sem rascunhar, não buzinei para me acalmar e mais nada imaginei, sequer pensei. Eu dormi com o edredom por baixo do lençol, de barriga pra cima ao contrário de antes, e com a janela aberta. Eu cantei sozinho na rua, pensei em comprar uma flauta doce e em comer morango antes do almoço. Tudo muito confuso. Do avesso. Hoje eu vivi só hoje e deixei o resto para amanhã. Pela manhã.

De sobremesa, a natureza e o início de uma estranha leveza. 

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Nas profundezas de um mar sem fim

E aí que nas profundezas daquele mar sem fim, ao contrário do que eu imaginava, havia muita luz, alegria e um bocado de poesia. Depois da ponte, lá no fim do túnel, existiam flores e até um botequim. As bebidas eram coloridas. Nas paredes, muitas coincidências. Nas pessoas, estranhas lembranças. Tudo estava tão diferente de como era antes, diversas mudanças.

E o caminho até lá, incrivelmente, foi permeado, torneado e contornado por diversas descobertas. Descobri, por exemplo, que inventar alimenta a alma e que encantar-se é natural ao ser. Alivia e dá calma. Descobri que tenho domínio sobre parte de mim. E que, se até naquele singelo botequim alguém sorriu pra mim, devo estar bem longe do fim.

Porque se até para morrer, você tem que existir. Não adianta esperar, é correr sem medir. A minha vida é assim: chegar e partir.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Segredo

O segredo das horas é não contar.
O segredo do tempo é não parar.
O segredo da infância é se divertir.
O da juventude, sorrir.
E o segredo da maturidade é saber partir.

O segredo do padre é paquerar.
O segredo da moça é hipnotizar.
O segredo do fraque é não lavar.
O do novo é se estranhar.
E o segredo do só, a si tentar.

O segredo do cheiro é provar.
O segredo dos cegos é não mirar.
O segredo do tato é degustar.
O da visão é escutar.
E o segredo do surdo é não se preocupar.

O segredo da massa é misturar.
O segredo do vinho é roxear.
O segredo do doce é dessalar.
O da caipirinha, embriagar.
E o segredo do chef é não parar de inventar.
 
O segredo da lua é aos poucos se revelar.
O segredo das estrelas é insistentemente brilhar.
O segredo do sol é aquecer.
O da meia-noite, anoitecer.
E o segredo do dia, amanhecer.

O segredo do mato é silenciar.
O segredo da serra é contornar.
O segredo das nuvens é não deixar tocar.
O da cachoeira, ocultar.
E o segredo do mar, energizar.

O segredo do Senna é ultrapassar.
O segredo do Chico é cantar.
O segredo do Dizzy é trumpetear.
O do Garrincha é entortar.
E o segredo da Amy, se entregar.

O segredo da Marilyn é deixar a saia voar.
O segredo do Oiticica é penetrar.
O segredo do Cildo é desviar.
O do Mandela, libertar.
E o segredo do sábio, eternizar.

O segredo da mente é borbulhar.
O segredo da arte, emocionar.
O segredo do músico, serestar.
O do poeta, rascunhar.
E o segredo da dança é se deixar levar.

O segredo dos pés é descalçar.
O segredo do beijo é encaixar.
O segredo do sexo é se despir.
O do coração é não mentir.
E o segredo da vida é morrer de rir.

Seria um exagero dizer que é uma volta à normalidade.
Pois o segredo da calma é relaxar.
E o desejo da alma é acalmar.

Porque o segredo do Homem é amar.
Mas o meu segredo, é me apaixonar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

20 coisas que eu odeio (em você)


  1. Não saber mentir
  2. Buscar respostas para tudo
  3. Insistir em acreditar em tudo e em todos
  4. Conviver pouco com a família
  5. Não frequentar todas as exposições e os espetáculos que gostaria
  6. Trabalhar demais e estudar de menos
  7. Achar que escreve bem
  8. Adorar cozinhar, mas odiar lavar
  9. Ter dificuldade em encerrar ciclos
  10. Achar quase impossível começar novos
  11. Se aborrecer ao ter que sair nos domingos
  12. Encantar-se com coisas idiotas e inexpressivas
  13. Não apegar-se às coisas realmente importantes
  14. Buscar uma autossuficiência inalcançável
  15. Tentar pegar o impalpável
  16. Achar que tudo é para sempre
  17. Não conhecer a Serra do Cipó, a Lapinha e Tabuleiro
  18. Assumir que é fã do Rocky Balboa, do Axl Fowley e do John McLane
  19. Insistir em inventar desculpas para não parar de fumar
  20. Ter que encarar o fato de que você, na verdade, sou eu