domingo, 30 de outubro de 2011

Possante vermelho

Comprei o meu carro novo. Foi anteontem, num movimento silencioso, só, abrupto. Fui sozinho até a concessionária, num movimento como de quem não queria nada, bem rápido, ágil e eficaz, cheguei, escolhi e comprei. Simples assim, muito embora difícil. Por dentro. Eu acho que no fundo eu ainda não estava preparado para isto, as minhas reservas tinham outro destino, é verdade, mas fui acabar ali, naquela loja um pouco distante de casa, sozinho, com o meu cigarro, a minha carteira, as minhas manias e todas as incrédulas dúvidas que ainda me acompanham. Pareceu-me, analisando agora, mais um dos meus atos conscientemente inconscientes.

Não sei bem o que eu esperava de mim mesmo nessa hora, não planejei direito, não tinha a menor ideia de quais sensações iriam me tomar. Foi mais um dos muitos rompimentos que tenho vivido – muitos mesmo, é natural -, ainda não consigo decifrar-me e entender se estou feliz ou triste, aliviado ou um com uma pitadinha a mais de angústia, não sei mesmo, afinal é o meu primeiro bem de vinte e poucos e, convenhamos, tem lá o seu valor. Vale exatamente vinte e poucos. Acho que eu devia sentir-me bem. Mas não, parece-me que não, é justamente o contrário, é meio estranho observar-lhe, ainda de fora, e tentar entender o motivo daquele tantão de portas, do ar-condicionado, do motor um ponto quatro, das rodas de liga-leve tão bonitinhas. Eu não preciso delas - e talvez nunca precisarei - e por isso é mais estranho ainda. No final das contas, eu acho mesmo é que eu é que sou o estranho dessa parada.

Mas, agora que não tenho mais como fugir, afinal já o fiz, mais uma das minhas esquisitas rebeldices, e sabendo, mesmo não querendo assumir, que é esse aí que vai acompanhar-me nos meus dias até o trabalho, até o boteco do bairro vizinho, até a galeria de arte que tanto tenho frequentando, até o supermercado, sabendo que ele é que vai esquentar-me em algumas noites frias, salvar-me das próximas tempestades que virão, que é ele que vai comigo para a praia, para a lama, para a roça, para o mato, será o meu companheiro e vai induzir-me até em casa, só ou acompanhado, em quase todos os próximos dias da minha vida. E só nos próximos dias mesmo, pois ainda não sei bem – na verdade, não tenho a menor ideia - o que será de mim de agora em diante, nos próximos meses, nos próximos anos, e agora dele também, pobre coitado.

Sei que ele será mais um desses meus fieis escudeiros que tanto tenho esforçado em cativar. Ainda não estou íntimo, e talvez por isso eu não esteja tão empolgado. Sei que dentre todos os acessórios – e são muitos, esses vendedores são bem sapecas e conseguem enfiar-nos tanta coisa goela abaixo, é impressionante – eu só fazia mesmo questão de uma coisa: da cor. Eu quis um vermelho vivo, intenso, cruel, paixão, meio intelectual, meio de esquerda, como do post aí de baixo, diferente, vivo. Busquei vida, acho que foi isso. Eu estou um pouco cansado desse mundo de gente tão igual e tão careta, tão cafona, tão normal e tão banal, acho que eu andava precisando de um pouco de destaque, de risco, precisando ser um pouco diferente nessa vida, assim, sair do padrão. De pretos e pratas, essas cores mortas e mórbidas, iguais, já me bastam os do vizinho, do advogado ou do padre da paróquia aqui do lado de casa, esse povo todo chato, brega e igualzinho entre si. Eu ando não gostando - agora um pouco mais do que antes - desse povo muito, assim, equilibrado. Eu já falei outrora que o meu equilíbrio está justamente no meu desequilíbrio, vou lá busca-lo novamente, acho que foi por isso que o comprei. Querendo ou não, pelo menos pra mim, pelo menos agora, lá vou eu, eu e ele, a gente, insistindo novamente, sozinhos, a caminhar e tentar encontrar um dia, quem sabe, um fusquinha ou uma dessas lambretinhas românticas, charmosas e intelectuais para namorá-lo.


Se alguém souber de algum pretendente, o vermelho possante que eu comprei é esse aqui ó... de uma boniteza sem fim!

;)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Meio intelectual, meio de esquerda

Na semana passada, eu comecei a ler “Meio intelectual, meio de esquerda”, do Antônio Prata, estou gostando bastante. Estou adorando, na verdade. Recomendo. Textos leves, curtos, tenho lido uns três ou quatro por noite. Às vezes, até de dia eu faço uma pausinha e corro para ler. Um dos textos, do qual veio o título do livro e do post, lembrou-me alguns amigos meus, meio intelectuais, meio de esquerda, lembrou-me o micro-universo meio intelectual, meio de esquerda do qual faço parte, no qual convivo diariamente, ao qual insisto em defender e, assim, meio intelectualmente, meio de esquerda, ofereço este texto, copiado e colado do livro, com a licença de Antônio Prata, ou sem licença alguma, aos meus amigos meio intelectuais, meio de esquerda, Frederico Diniz, Diego Rezende, Pedro Moreira, Geraldo Alicrim, André Mitre, Daniel Quintela, Mateus Perilo, Nilo Teixeira, Sérgio Mitre e Rafael Guimarães e alguns outros que agora eu posso ter esquecido, mas que, assim como eu, são meio intelectuais, meio de esquerda, adoram o Brasil 41, o Bar do Orlando, o Bordello e o lado B da Lapa e de Santa Tereza, pois lá é que é massa! A nós, que tanto adoramos descobrir novos lugares meio intelectuais, meio de esquerda antes de outros meio intelectuais, meio de esquerda, aqueles falsos ordinários. No meu livro, que ainda sairá um dia, quem sabe, estou preparando uma resposta para Antônio. Mas, por enquanto, ficamos aqui, a gente, se entendendo, se identificando e se divertindo, sempre, meio intelectuais, meio de esquerda.

Bar ruim é lindo, bicho

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos (deve ter alguma coisa errada com uma vanguarda de mais de 150 anos, mas tudo bem).

No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura. “Ô Betão, traz mais uma pra gente”, eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou cande de sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma Europazinha sempre ajuda.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida.

Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda conhece, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele é o nosso novo bar ruim.

O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto de artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e só foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Por que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que íamos a tal bar antes de ele ficar famoso, a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro – isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não. A gente gosto do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.

Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo. (Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso; a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão raiz, tão Brasil.

Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, preferem frango à passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no Nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim Câmara Cascudo, saca?).

_ Ô, Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sozinha

E aí deve estar se perguntando. Mas por que ainda sozinha? Já faz tanto tempo... Sozinha porque quer, sozinha porque pode, sozinha porque ainda não está pronta para outra, sozinha porque escolheu ficar assim, sozinha. Mas, não se engane. Não é por estar sozinha, no amor, que está sozinha no mundo. Está sozinha consigo. Mas, com essas belas pernas torneadas, um milhão de encantados e encantadas, de cantadas, olhares tortos, esses olhos azuis, essa pele lisa e macia, o cabelo cacheado, aquelas tatuagens, três, se não me engano, tudo isso tem o seu valor. Ela tinha que saber. Ela tinha que saber usar isto a seu favor. Mas, não se incomode, pois ela não se incomoda, acho até que usa, mesmo que inconscientemente, não se engane. Ela sabe de si, ela se conhece. Ela é que escolheu estar assim, por agora, meio que se descobrindo. Metade indo, metade vindo. Se desenvolvendo, se encontrando, ou se reencontrando, e tentando se armar e se amar, para que possa, só depois, amar algum outro também. Quer amar a si própria, antes de tudo, antes do novo, antes de todos, antes de se transbordar em forma de aquarela. Ela, tão bela, difícil vê-la assim, sozinha, quieta, muito embora inquieta. Só que sozinha. Só. E tenha certeza, ou imagine consigo, é o máximo que você pode, ela só pode estar tramando algo com as suas entranhas, nos enganando com as suas artimanhas, meticulosamente. Daqui a pouco você vai vê-la por aí, saltitante, sorridente e com um sorriso daqueles bem marotos na sua face, hoje oculta, daqui a pouco desnuda. Ela está preparando alguma surpresa, eu sei, só é difícil entender.

domingo, 23 de outubro de 2011

Tristeza

E a leveza daquele ser insólito sempre esteve dentro dele. Eu já sabia. Ele, coitado, é que nunca soube. Isso nunca passou pela sua cabecinha oca. Andou te dando uma importância que você não merece e eu sempre percebi isso. Você caminhou com ele em grande parte daquela estrada cinzenta, é fato, e eu o acompanhei, e a você também. Muito de perto. Agora é hora de livrá-lo, suplico, muito embora sabendo que vai ser difícil. Vamos libertá-lo. Liberte-o. E eu sei, confesso, deixei-me envolver profundamente nessa história, mas agora não quero mais. Você o fez bem, depois o afundou e depois o puxou de volta. O inspirou, depois inspirou a mim também, demos as mãos, nós três, um carnaval inteirinho você inventou. E a gente, bom, a gente dançou. Você foi cruel, injetou veneno na veia, e mesmo assim ele te quis. E eu também. A gente. Ele pela metade. Eu inteirinha. Gostei, gostamos. Aceitamos, nós dois, todas as suas safadezas e as suas malvadices. Nós gostamos das suas cafonices, eu não vou mentir, não sei da parte dele. Acho que eu muito, ele um pouco menos, ambos tanto. Tanto arder, querer, viver. Tantos tantos e outros tantos.

Eu quis te encontrar, mesmo em partes não querendo aceitar. Insisti em relutar, mas você cavucou tanto que está aí, invadiu e ficou. Fez morada em mim, fez nele também, me tornou um pseudo sonhador e o tornou um romântico escritor. Você me refez, é verdade. Ainda que pela metade. Meio cheio, meio vazio, a escolha deveria ser minha, eu sei. Você o criou, você me moldou, me trocou, me jogou para o alto e me tornou um outro. Mas não um outro qualquer. Ele é que é o outro, você já sabia quando tudo isso começou. E eu nem o conhecia. Eu nem a conhecia. E agora que sou ele, o outro, o meu avesso, agora que estou livrando-me de ti e paquerando-o, assim, bem de leve, me despindo e desnudando-me quase completamente, você vem e me aparece com esse charme, esse olhar e essas piscadelas de outrora que me apavoram. Te tirei de lado, ou tentei, te tirei de letra, ou menti. Mesmo nesse domingo chuvoso, mais um, que me assombra, e está frio, muito frio, continuo tentando te enganar. E, sabe, acho até que consigo. Mesmo que esteja mentindo ou tentando. Pra mim, pra você ou pra ele.

Você sabe, não é, será parte de mim para sempre, não preciso repetir, eu já te avisei e já me conformei. Mas, não sei se será dele também, acho que só de mim, assim que quero, ele também, ele não te quer, mesmo que insista. Desista. É hora de nos despedirmos, meu bem, eu de você, você dele, ele de mim, a gente da gente, queremos voar, cada um cada qual, você quer fincar, eu quero ficar e, ele, nunca mais voltar. Com a sua licença, com a dele, com a nossa, ou sem nada, ou com tudo, ao mesmo tempo, sem sabermos, à nossa maneira, queremos menos você, e você muito a gente, mas a gente um ao outro, e eu a mim, e ele a ele, e a gente à gente, assim, devargazinho, e você, para sempre, nunca mais. 

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Com gostinho de quero mais...

Amanhã eu volto. Mais uma vez. Outro dia, estive em Buenos Aires, quis ficar. Estive em Nova York, também quis ficar. De Paris, eu tinha certeza que nunca mais voltaria. No Rio, quando chego à Lapa, sinto que estou de volta para casa. E até na Bahia, aquela querida, eu queria ter ficado vendendo coco na praia e levando uma vida, assim, à minha singela maneira. A rotina vem, o tempo passa, o tédio toma, esqueço. Eu esqueço do que eu queria, apego-me à sensação eterna - e de fato acredito - que a minha vida é "subir Bahia e descer Floresta". E às vezes é, não sei bem. BH é bem assim: massa, divertida e cheia de subidas e descidas. BH é fantástica, não quero sair de lá. Eu amo, mesmo que não radicalmente como aquele grupo cafona, mas radicalmente como nos merecemos. A gente se merece, a gente se entende. É bem intenso.

Mas, confesso, a minha última passagem pelo Rio foi bem simbólica, na verdade mais do que eu esperava, assustei, afinal eu quis ficar um pouco mais do que outrora. Sensação estranha, quase fiquei. Mas voltei. Estou aí, são e salvo, do mesmo jeito que antes. Ansioso, esperando a hora de voltar. Agora, já estou aqui. Novamente. Voltando de novo. Mas não do Rio. Agora é de São Paulo. Quase triste. Querendo ficar, mais uma vez. Ou querendo voltar. São Paulo é estranha, é grande, é caótica, é arte, São Paulo é isso aí. É a minha cara, a sua, a nossa. Volto querendo prolongar a minha estada por, quem sabe, um ou dois anos. São Paulo me merece também. Não sei se mais que BH ou o Rio, mas me merece à minha maneira. Ou à sua. São Paulo é toda peculiar, mesmo sendo cosmopolita e grandona. Volto querendo voltar. Volto querendo bem em breve aqui estar novamente. Quem já esteve sabe como é, este anonimato me faz um bem danado. Eu quero pra mim. E mesmo que não volte, que eu volte aos meus dias, assim, normais, de sobes e desces, carregarei mais uma dessas sensações, que agora estão quase enchendo as minhas duas mãos. Mais intensas em uns dias, menos em outros, mas sempre ali, no meu peito, guardadinhas esperando a hora de voltar.

Aquele Oswald...










Sem mais.


Fotografias retiradas no Museu da Língua Portuguesa (18/10/2011), exposição "Oswald de Andrade".

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O dia em que os meus amigos não saíram de férias...

Hoje, eu acordei com uma tremedeira estranha, latente, com a minha carne trêmula e molestada, a barriga agitada, a cabeça espraiada, não sei direito, é difícil entender, acho que estou me sentindo um pouco mal de novo, mas não é dor de barriga, não é tonteira, tampouco ressaca, talvez seja ele de novo, aquele mal que me assombrava num breve passado, às vezes presente, e que depois parou, e que talvez agora tenha voltado. Não sei. Deve ser mais um dos feitios dessa minha nonstop mind. È, dessa oca desvairada e desguarnecida, ou não, pode ser que não, o dia das crianças está aí, próximo, algumas datas simbólicas de outrora também, não sei direito, é meio assim, esquisito e incerto, por demais angustiante, muito embora intenso.

Eu sempre achei que eu fosse mesmo um pouco estranho, inédito e exclusivo, mas também premeditado, sistemático e abusado, ou não, talvez seja só o meu ego reprimido, ou não, escancarado, sei que hoje eu estou um pouco mais estranho, estou num dia estranho, está todo mundo estranho, tudo muito estranho. E como eu ando me alternando exatamente assim, entre estranhices, esquisitices e rebeldices, vários ices, iças e aquilo, bem achando que isto seja anormal, muito embora corriqueiro, comum e banal, decidi fazer com que hoje seja um dia anormal também, e especialmente hoje, que porventura nasceu cinzento, carregado de nuvens, frio, mas que já esquentou, o sol raiou, depois caiu um pé d’água, acabou a luz, um dia tenso, e eu talvez ainda muito influenciado também pelas recentes noites de insônia, mal dormidas, mal comidas, mal lavadas, assim assado, sozinho e só. Se a montanha não vai a Maomé, ele que vá até ela, que grite, que esperneie, que se encoraje e seja forte, em demasia, e que assim seja.

Mesmo hoje sendo um dia qualquer, em tese, e mesmo que não o fosse, um dia de uma semana qualquer, assim, uma terça inútil e fútil, barulhenta, qualquer coisa parecida, patati-patatá, decidi, eu mesmo e sem remorso algum, com que fosse assim bem diferente dos outros. Decidi que esse dia onze de outubro de dois mil e onze, e talvez os próximos onzes dos outros outubros que vierem, de dois mil e doze, treze, e assim por diante, talvez, e mesmo que simbolicamente, ou que isso seja apenas mais um dos meus devaneios, mais um shot da minha nonstop mind, eu escolhi que esse dia deveria ficar marcado, eu decidi que esse vai ser, daqui pra frente, o dia dos meus mais fieis: os amigos. De todos eles. O dia em que os meus amigos não saíram de férias. Ao contrário do que porventura eu tenha feito no passado, uma lição para o meu outro, o de outrora, ou não, o de agora, ou não, pois não os deixei, ou não, pois não me deixaram, ou não, pois o quiseram, ou não, pois, mesmo de graça, e sabendo que essa graça sairia caro, estamos aí, eles estão todos aqui. Dos meus amigos dos posts, dos alguns que eu escolhi, dos outros alguns que me escolheram, de todos eles, dos que nem sabem que estão nessa roda, assim, bem restrita, por dizer, dos que simplesmente apareceram do nada, de supetão, como a brisa que vem do mar, ou como a descida abrupta da montanha-russa, inesperada, no entanto gostosa, e escolheram ficar.

Hoje é dia daqueles que, mesmo sem saberem, às vezes, me fizeram momentos singelos à luz do dia, e mesmo sem serem muito íntimos, ou sendo também, cada um, cada qual, à sua maneira. Não vou citá-los, não preciso, nem aqueles que eu escolhi, nem os que me escolheram, nem os que apareceram, nem os que ainda surgirão, nem os que não sabem, nem aqueles que por apenas um dia foram, assim, demasiadamente únicos, sinceros e presentes, e nem mesmo os que a vida me cuspiu, assim também, de repente, pois todos sabem muito bem quem são, o que são e a que vieram. Eu gosto de vocês, mesmo que não saibam, e quase nunca em vão.

Mesmo que não sejam muitos, e talvez não encham as duas mãos que eu tenho, quem sabe um pedacinho do pé esquerdo, é, eu tento contar, e vejo apenas poucos, muito embora grandes, onipresentes e imponentes, hoje eu os quero bem e, pra sempre, hoje a mais ninguém. Eu os quero felizes, para brindarmos, eu os quero tristes, para gritarmos, eu os quero inteiros, pois me aguentaram falando só de mim, e da minha história, e só dela, e que provavelmente continuará assim por um tempo, eu que os deixo impotentes nos atos, prepotentes nos fatos, delinquentes nos lastros, eu os também quero vazios, para suportá-los, e eu os quero bem, porque assim a minha vida, enfim, fica bem também. Bem consigo e bem comigo, pois assim me querem o tempo todo, entendo, mesmo quando me dilaceram com verdades necessárias ou quando me acolhem, até a madrugada, chorando até a última gota de lágrima desse lindo mar de rosas, muito embora espinhento, em que me encontram.

E mesmo com todas as folias e as tremedeiras do meu coração, esse menor abandonado, e não vou dizer que não, porque inesperadamente voltou, mesmo com tudo isso, um pouco mais daquilo, um pouco menos disso, o que vale é o que vocês são hoje, e que talvez não tenham sido ontem, ou sim, mesmo sem saberem, e sem sabermos também o que seremos amanhã. Amanhã, bom, amanhã é outro dia, não importa se tu ficas, se eu fico, o que queres, o que podes, o presente, o distante, então que vocês o fiquem por mim, por vós, por nós, pra gente, pra sempre, hoje eu decidi presenteá-los, amigos notáveis e queridos, mesmo que singelamente ou por pura fantasia, e mesmo que despretensiosamente, com rascunhos, e que a gente, e que a dor, e que a magia, e que a folia, e que a flor, e que o amor estejam sempre por perto, e que seja doce, que seja doce, que seja doce, roubando Caio, sete vezes, e assim por diante.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

De novo

Assim, assim, o que foi já era, passou, e se um dia o tiver que ser novamente, e que assim seja, será bem diferente daquilo que já foi um dia, pois o pode, mesmo que igual, mesmo que banal, mesmo sendo o mesmo, da mesma forma, tudo igual.

domingo, 9 de outubro de 2011

Os meus domingos

Eu odeio os domingos, e não é de hoje. Domingo é ruim, é vago, vácuo, domingo é metade. De domingo, só me restam as manhãs. Não me servem as tardes, quentes, muito embora frias. Não me servem as noites, calmas, muito embora vazias. Não me prestam os domingos, eu detesto. Eu não quero os domingos, não me servem, não me atraem as sensações que ele traz consigo. O isolo, a saudade, o silêncio, a calmaria, não me serve nada disso, nem de noite e nem de dia.

Para alguns, o domingo é festa, feira, encontro, reencontro, é purificação e tradição. É energia pura e renovada para o amanhã. Para mim, até já foi, mas hoje é só uma fresta. É uma espera angustiante para que passe, pois demora, para que a semana comece, pois já vem, para que a labuta me consuma por completo. Se criativo fosse, esse ócio do domingo, eu até aproveitaria para tirar uma casquinha. Mas, nem isso é. As horas não passam. O meu domingo é tédio, é chato, é asco, é cru, é ansiedade, é espera, é procrastinação, é tudo isso e mais um pouco. O meu domingo é vão, o meu domingo é não.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Escrevo hoje

Hoje eu decidi que não vou escrever sobre nada. Eu vou escrever sobre tudo. Sobre tudo o que me aflige, me atormenta e me maltrata. Sobre tudo o que me move, me levanta e depois me mata. Hoje eu vou escrever sobre a dor, sobre o amor e sobre o calor dos verões de outrora. Eu vou escrever sobre o frio, sobre ser frio, sobre como acabei imergindo-me nessa onda de calafrios. Hoje eu vou escrever sobre tudo.

Sobre as encomendas, sobre as oferendas, eu vou escrever pra Oxalá. Hoje eu vou rascunhar. Hoje eu vou escrever sobre a alma, que falha, hoje eu vou escrever sobre as memórias da infância, eu vou escrever sobre a moça mais bonita da cidade. Hoje eu vou escrever sobre os meus dias, eu vou escrever sobre as noites vazias, hoje eu vou escrever uma poesia. Hoje eu vou escrever minha calma. Hoje eu vou escrever sobre a felicidade, sobre a tristeza e sobre a leveza que reluto em alcançar. Hoje eu vou escrever sobre os fracos, os frascos, eu vou escrever uma canção. Hoje eu vou escrever sobre o ódio, o ópio, a insegurança de ser um só no mundo. Hoje eu vou escrever sozinho. Solo. Hoje eu vou escrever sobre as drogas, sobre as fraldas do vizinho, hoje eu vou escrever sobre o choro da criança, sobre o porre que eu tomei no bar da esquina e sobre como ser um estranho no ninho. Hoje eu vou escrever sobre tudo isso.

Hoje eu vou escrever sobre a magia e sobre a minha inspiração, mesmo que tardia. Hoje eu vou escrever para a clarice, para o caio, vou dizer como consegui me entupir de salgadinhos na noite passada, assistindo ao filme do Woody Allen. Hoje eu vou escrever sobre o carnaval, sobre a Lapa, eu vou escrever sobre o meu inferno astral e até sobre o meu ancestral. Hoje eu vou escrever sobre o tal. Hoje eu vou escrever pra você, hoje eu vou escrever e depois renascer. Hoje eu vou escrever sobre o mundo, sobre o fundo do buraco negro à minha volta. Hoje eu vou escrever sobre o livro que eu li no mês passado, sobre o livro que eu leio agora e sobre o livro que você vai ler depois, o que estou também escrevendo agora. Hoje eu vou escrever sobre tudo e mais um pouco.

Hoje eu vou escrever sobre as flores, hoje eu vou escrever sobre arte, hoje eu vou escrever, por que escrever também faz parte. Hoje eu vou escrever sobre o cego, hoje eu vou escrever sobre o jazz. Hoje eu vou escrever minhas cartas, hoje eu vou escrever pros estranhos. Hoje eu vou escrever sobre os tristes, sobre os rifles, sobre as noites cansadas, sobre a enfermaria dessa madrugada. Hoje eu vou até o meu limite. Hoje eu vou escrever sobre tudo. E amanhã, bom, amanhã eu te conto.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Vontade de você

Eu queria ter vontade de ficar com você. Eu até tenho. Mas, não é todo dia. Alguns dias, bem, eu quero muito. Em outros, mal, não quero tanto. Tenho me alternado assim, nos meus dias, em querer e não querer. Bem querer. Por querer. E por querer, porque, que fico assim, fixamente instalado na minha instabilidade. O meu equilíbrio, de momento, é ser exatamente assim. Mesmo sem saber muito bem por quê.

sábado, 1 de outubro de 2011

Porque eu gosto de você



Eu gosto de você não é porque você é bonita, cheirosa e gostosa. É porque eu gosto de ficar com você. Eu gosto da sua companhia. E ponto. Eu gosto de você não é porque dorme comigo todas as noites, é porque fica acordada. Eu gosto de você não é quando você está pequena e precisa de mim, mas quando está grande e me quer mesmo assim.


Eu gosto de você porque você me dá saudades. Eu gosto de você porque você me dá tesão. Eu gosto de você porque a gente, junto, é uma erupção. E com ponto de exclamação. Eu gosto de você não só pelas chegadas ou por todas as partidas, mal feitas ou mal vistas, mas pelas idas e vindas, aceitas, azedas, mal resolvidas. E até pelo contrário. Eu gosto de você não só pelas coincidências ou pelas eficiências, mas por todas as nossas incoerências, as nossas diferenças.

Eu gosto de você pelo desequilíbrio. Eu gosto de você porque você me desequilibra. Eu gosto de você porque me faz sofrer, me faz sorrir. Eu gosto de você porque você me faz crescer, ouvir. Ou vir. Eu gosto de você porque você me faz assim, e eu a você. Eu gosto de você porque a gente se entende. Porque a gente se desentende. Porque a gente entende. Eu gosto de você não só porque dividimos a mesma escova de dente, mas porque quando necessário, a gente se mente. A gente até mente. Eu gosto de você porque você me cobre, e eu te cubro, e a gente se enrola. Eu gosto de você não só pela beleza, e olha que és bela, mas por também me tratar com singeleza. E haja destreza. Eu gosto de você porque eu gosto de estar com você. Eu gosto de você porque eu gosto de ficar nu com você. Eu gosto de transar com você. Eu gosto de você e, mesmo gostando, escolhi gostar de você. Eu gosto de você porque eu te escolhi e você a mim.

Eu gosto de você não é porque me cura quando eu volto da boemia. A gente, meu bem, é que se cura. Eu gosto de você não é só pelo nosso sexo, intenso, mas pelo que a gente faz depois. Eu gosto de você não pelos filmes, ou pelas drogas, ou pelas festas. Eu gosto de você não pelas sinas, ou pelas trocas, ou pelas frestas. Eu gosto de você porque, mesmo  às vezes não querendo, eu gosto. E é de graça. Eu gosto de você porque sai caro, senão não teria graça. Eu gosto de você porque você sorri. Eu gosto de você porque você corre, para, olha e volta a correr. Eu gosto de você assim.

Eu gosto de você não pelos amigos, pois amigos todo mundo têm. Eu gosto de você por causa dos nossos amigos. E eles gostam da gente por causa da gente. Eu gosto de você por que a gente ri. Junto. Eu gosto de você porque a gente chora. Junto e separado. Eu gosto de você porque a gente não escolhe. A gente se escolhe. A gente encolhe. Eu gosto de você porque a gente é metade. Eu gosto de você porque eu gosto desse seu jeito, assim, rebelde sem causa.

Eu gosto de você não é pelo que a gente tem, mas pelo que a gente é. Eu gosto de você não só quando eu gozo. Muito. Eu gosto quando a gente. Eu gosto de você porque eu te faço, refaço, e você a mim, e a gente à gente. Eu gosto de você não só por você gostar de mim, e eu de você, mas por você ser você, e eu ser eu, e a gente ser tudo o que a gente quer, incrivelmente, ao mesmo tempo, assim, assim.