quarta-feira, 7 de agosto de 2013

o primeiro dia de viagem

na verdade, tudo começou há algum tempo. acho que foi há uns dois anos, um pouco menos ou mais. no fundo, acho que começou quando eu me comecei, quando me vim ao mundo. todos nascem para o mundo, afinal, como hoje me arrisco capaz de afirmar. essa viagem começou no dia 23 de maio de 2011. era aniversário da minha avó, os seus 80, e não, a escolha não foi por celebração à ela, com a licença permitida. decidi me celebrar naquela data. alguns vêm e vão, outros vêm e ficam, mas depois se vão, e quem fica mesmo, no final das contas, é a gente mesmo e olhe lá. redundante fosse, ou clichê, se não fosse assim tão hoje, real em vida, presente instante.

essa viagem começou quando eu a desejei, quando eu comecei a planejar algum dinheiro para que pudesse me confortar à escolha, começou no dia em que me separei, quando perdi alguns quilos, algumas roupas e alguns amigos, quando me distanciei dos meus melhores amigos quando estava apaixonado, quando estive em depressão, quando tomei coragem e me desliguei do emprego de salário bom ou quando reclinei diante de novas propostas deliciosas e tentadoras, começou no dia em que pisei pela primeira vez em Paris e chorei sozinho, quando fui à Nova York e não queria voltar, em todas as vezes que fui à São Paulo e me sentia vivo como aquele poema do Leminsky, quando pisei na Lapa e agradeci de joelhos por estar voltando pra casa, começou nas vezes em que estive na Ilha de Boipeba e na primeira vez que pisei na Serra do Cipó, mesmo há dez anos a algumas horinhas dela, tão bela e logo ali. começou quando fui à Praia da Estação pela primeira vez, quando o carnaval voltou, quando voltei à minha cidade natal e não podia mais chamá-la de minha, quando recebi a notícia que um amigo morava em Londres e outro em Lisboa, que outro esteve de licença da vida por tempo determinado, que um outro iria se casar em breve, que alguns estavam grávidos, quando comecei a namorar, quando em todas as vezes que fui, fui, fui, mas que depois me vim.

hoje o texto não é literário, pois o processo em si já é poesia pura. vou viajar o mundo, ou ao menos uma parte dele. prometi-me que não houvesse roteiros fixos, mas apenas desejos e motivações, que não houvesse produção ou reservas, mas apenas uma passagem de ida, que houvesse apenas uma mochila nas costas, alguns cigarros, muitos papeis e canetas, uma câmera fotográfica, algumas poucas roupas, um protetor solar, um repelente, uma toalha de microfibra que cabe no bolso, descobri outro dia, um chapéu e uma ceroula para que não morra de frio, meia dúzia de badulaques quaisquer e alguns cartões-postais não sei de onde para enviar com um sopro de vida aos meus queridos mais próximos. vou sem muitas promessas, sem muitos desejos aparentes, vou para encerrar algum tipo de gestalt, como uma amiga frisou outro dia, e me encontrar lá na frente, quem sabe. ando precisado de mim. ando precisado de ir. e acho até que já escrevi de tudo um pouco sobre isso, mas nada que se materializasse como esse agora me permite, então.

a viagem recomeçou ontem, quando tomei todas as vacinas obrigatórias. recomeçou na semana passada, quando decidi que iria visitar a minha prima-irmã na França e só de lá decidir o resto. recomeçou há pouco mais de um mês com as manifestações, com a ocupação da câmara, com as estranhezas de sempre do poder público e com a retirada de campo à força do tesão com algumas poucas coisas que ainda me faziam muito bem ou pelo menos me enganavam e me alimentavam. recomeçou quando hoje, pela manhã, acordei e tinha chegado uma revista baranguinha que insisto em assinar, mas que ao menos uma vez me fez muito sentido ao trazer em sua capa uma terra que nutro um desejo muito grande de visitar sob a chancela “seja feliz com 50 dólares por dia”. recomeçou quando uma amiga me mandou o link de um retiro budista, quando uma menina próxima morreu de tiro, com o debate da velha mídia com alguns dos meus pares, quando liguei para a minha mãe em uma pré-despedida, quando contei à namorada e aos amigos mais próximos. recomeçou outro dia, pois já não estou mais aqui, mesmo que doa, e quando recebi a cotação da passagem apenas de ida e ela coube no meu bolso. e os meus sonhos também.