terça-feira, 10 de abril de 2012

Talvez te queira um dia em uma esquina qualquer...

Eu te quis muito em vida, foi, estive te amando por demais e sem remorso algum desse passado longínquo, confesso, mas agora talvez não mais, não por hoje, pois o que eu sou não me permite mais, não te cabe aqui em mim, ou ao meu lado, e eu também não consigo te alcançar, sequer dar-te as minhas mãos, não como antigamente, pois não consigo mais, hoje estou liquidificado em terreno estranho, triturado, alheio, não posso mais, porque o tempo passou, pesou, e perdi-me do bonde antes mesmo que eu pudesse dar o sinal. Fugiram-me os trilhos, fugiram-te, descarrilharam, e não foi possível correr, pois as pernas bambeiam, a trilha era longa, e cinza, e sem balões coloridos, e sem poesia também. Havia um muro inestimável de tão alto, imenso não permitiu-me avançar, era cimento queimado, fenderam-me as ventanas, ao mesmo tempo, os querubins à minha volta, ou serafins, ou o meu próprio fim iminente que decretei no dia de São Jorge e então não pude seguir-te mais.

E eu agora nessa de desajeitado depois que me vim, sendo o oposto do que eu sou, ou do que eu fui outrora, talvez consiga te querer em breve, depois da ponte, de súbito achado e encantado em uma esquina dessas qualquer, fazendo valsa e dançando em ciranda à tua volta, fingindo-me inteiro, e pronto, hesitando em entregar-te a carta que escrevi de punho com a minha caneta mais antiga de bico fino no dia em que decretei o partir, o fim do começo, mas ei de procurar-te um dia, não hoje, não amanhã, mas saiba logo, quem sabe em breve ou no próximo verão, as suas bodas estão chegando, que liberte-se em mim quando chegar a hora, então, e tope mesmo ao longe, porque daqui de cima te vejo só, e pequena, mas és tão grande em mim ainda, contraditório, aqui fincada ao meu peito longe do teu lado inalcançável nessa terra por onde resisto em resíduos de mim, proliferando em grãos, mas vê se esquece o nosso amor, ainda é tempo, deixe que os querubins, ou os serafins, ou que o meu próprio fim anuncie quando, pois ainda dói observar todos os moços espalhados no salão pedindo a tua mão, os teus beijos e o ardor dos teus seios, e então mover-me uma palha mesmo tendo desejado-te e entregue-me pleno como em vida eu te amei, em estado inóspito, límpido e transeunte, como estou hoje, fuligem em campo desflorido de descontentes, já não dá mais.

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