terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Quem é você, cara pálida?

Hoje cedo, li o texto da Eliane Brum e fiquei com muitas coceiras. Deliciosa leitura. Vá lá. E repentinamente - e não por ele, mas por mim mesmo - me deu certo enjôo, voltei a sentir nojo (ou pena?) dessa gente toda careta e igual, normal, banal, desses cruéis e infelizes remanescentes da tradicional família mineira (chuta!), até que não aguentei e decidi escrever nesse pequeno intervalo de almoço. Esses que se seguem são os meus vômitos.

É impressionante como alguns ainda não conseguem me entender nessa coisa meio hétero, gay, bi e assexuado que sou. Não gostaria de ter de avisar-lhes novamente. Sou inconstante, inconsequente, eu sou assim, eu sou do novo, porque eu posso ser do novo, de novo, e eu posso quantas vezes eu quiser. Eu sou do meu tempo. E ponto. Se você ainda não é, que chame logo o primeiro táxi. Dá sinal que o carro está passando. E está a mil. E devo dizer mais: no carnaval de beagá estava cheio de eus por aí. E quer saber? Foi lindo. E quer saber mais? É por isso que foi lindo. Nós – eu e todos os outros eus que encontrei por aí - não somos mais vocês, do ontem, do outrora, do passado, não estamos nem aí para o lado negro da força, meus caros assassinos. Não mais, aqui não, aqui não cabe, não dá. Nem aqui e nem aí.

E tem mais. Não consigo sequer entender – e, vá lá, até aceito que certas transformações e emancipações estejam sujeitas às temporalidades - quando alguns me questionam ao falar que vou sair de sunga na rua, ou que vou dar um selinho no fulano ou no ciclano, não aceitam a genuinidade de se querer ser o que a gente é, de se poder ser um pouco de tudo, não aceitam que eu seja um pouco de tudo, de tudo um pouco, um tudo às vezes, um nada sempre, mas que ao mesmo tempo também não saiba muito bem quem ou o que sou, pois me dou esse direito, e também me dou ao direito de ter diversos desejos, afinidades e (in)completudes. E esses que não entendem a mim são estranhos, muito, para não falar pior, porque, no final das contas, eu sou apenas mais um sujeito simplesmente querendo ser. E isso já me basta.

E, sendo, sou incompleto e bem difícil de ser compreendido em minha plenitude. E simplesmente sendo, também, já sou mais, maior e melhor do que esses machistinhas duma figa que desfilam por aí se vangloriando por comer todas ou por terem tirado um sarro com a bichinha que passou. Pois saibam: todas essas aí que vocês comem são como vocês: machistas, caretas, nazistas! E todas essas bichinhas são como eu: dignos e vivos. Homens maiúsculos. E só de falar isso, aposto que todos vão me chamar de bichinha quando lerem esse texto, trouxas que são. Chamem, chamem! Me chamem de bichinha, de puta, de puto, de santa. Me chamem de viado e vagabundo. Me chamem de tudo, me chamem do que quiserem, só não achem que sou como vocês, caras pálidas, pois eu levo uma vida do meu tempo, no meu tempo, e quem é como eu - e a quem efetivamente direciono esse texto - sabe do que estou falando.

Eu sou diferente de vocês, sou muito mais eu. Sou muito mais nós, eu e todos os outros eus. Às vezes quero tudo, às vezes quero nada. Mas sempre quero aquilo que me convém, aquilo que me cai bem. Aquilo que é do bem. Aquilo que é para o bem. Eu vivo. E ponto. E como é bom apaixonar-me e desapaixonar-me. Como é bom jogar-me descontroladamente. O bom da vida é ser assim: atrair-se por aquilo que lhe atrai. É simples assim. E nessa, a gente acaba cruzando com outros que são mais, assim como eu, que também são eu, outros eus, e que porventura beijam outras, porque não outros, mas que gostam de si, principalmente, e se aceitam inclusive com todas as diferenças. Aliás, gosto deles por causa das diferenças. Porque são diferentes. E porque se respeitam também. Porque ser normal ou global nessa altura do campeonato está totalmente por fora. Ficou cafona. Prefiro então estas pessoas mais iguais a mim e leais consigo mesmas, legais consigo mesmas, legais consigo mesmas. Três vezes, que é para não esquecer. Exerça sua vontade também. Sai do armário, meu cabra!

E prefiro também terminar como comecei despretensiosamente a escrever esse texto nesse horário de almoço corrido: roubando as palavras da Eliane Brum. Pois “se estivermos à altura do nosso tempo, descobriremos que há infinitas possibilidades – e não uma só – de sermos seja lá o que for. Como alguém disse no twitter: “Na vida, não limite-se. Laerte-se!”. That´s it.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

As (minhas) descobertas de carnaval

1. Cerveja também dá amnésia, e muita.
2. O espírito Chuck Norris baixa e a gente acha que é capaz de resolver o mundo. E nos intervalos carregar os outros nas costas.
3. Os amigos de sempre desaparecem, mas surgem novos.
4. Tanto os de sempre - quando de súbito surgem no meio da folia -, quanto os novos, viram os melhores.
5. Sou bondoso com a bebumzice alheia. Pago cerveja para estranhos. E para os novos melhores amigos também.
6. Os antigos são bondosos comigo, e são todos ricos, e pagam cerveja pra mim.
7. É possível apaixonar-se e desapaixonar-se em poucos dias. Em poucas horas. Em poucos minutos. Em poucos segundos.
8. Me declaro para quem não devia. E se declara, a mim, quem também não devia.
9. As minhas fantasias estão espalhadas em umas dezoito residências desconhecidas nesse momento.
10. A vida, contraditoriamente, segue. E no ano que vem tem mais.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Isso que eu prefiro chamar de vida

Hoje eu acordei saltitante, de pernas pro ar, irradiante de alegria e com vontade de falar, de gritar, de berrar! E nem foi pelo céu lindo e azul, como amanheceu, pelo projeto aprovado ou ainda pela overdose de carnaval. Seria excesso de protagonismo? Não, prefiro chamar de vida.

Outro dia, ouvi de uma pessoa que adorei conhecer – e que não quero aqui revelar quem é, não sei se ela gostaria – que ser feliz é reconhecer-se triste, inclusive. Ando pensando muito nisso, foi simples e direto, eis a resposta que há tanto buscava. E de antemão, portanto, quero me apresentar de fato. E de direito também. Ando me descobrindo aos poucos, de grão em grão, de passo em passo, feliz ou triste, de laço em laço, de rastro em rastro. Não estou mais no meio. Saí daquele lugar sujinho, bobinho, cafona e altruísta. Saí daquela ambiência careta, atrasada, desvairada. Você não é mais a projeção do que eu queria, passou. Você agora é o que eu posso adiante. Daqui em diante. A mim, não vale mais aquela máxima de buscar um equilíbrio constante. Eu já era, ele já era, tudo se foi, não quero mais. Eu fico com o meu radicalismo, com as minhas estripulias, com os meus abusos, com as minhas extravagâncias. Intolerâncias. Mansas. Movimentos bruscos e abruptos. Esse sou eu de súbito, é onde me encontro agora, é o meu novo, talvez um outro, e está bem assim. E nesse lugar, vida, tem espaço para você sim. Que saiba logo antes que seja tarde. Seja bem-vinda.

Tenho me alternado entre um excesso de zelo, mazela, calma, delicadeza, indecisão, timidez e uma pitadinha a menos de audácia em certas circunstâncias, em alguns momentos, e nessas horas faltam-me estricnina, indisciplina, adrenalina. Falta-me veneno na veia. Mas em outras, também, tomam-me certa arrogância, intolerância, incomplacência, intransigência, inconsequência, é uma imprecisão só, e nesta hora ataca-me a rebeldia. Taquicardia. Revelia. Inconsequente é o que sou. Excesso é o meu sobrenome. Mas é tão bom, é tão genuíno, é tão legítimo e é tão sincero. É tão eu. É bom ser eu. E o melhor: sem ser hipócrita, sem ser cruel, sem ser brutal, sem ser banal, sem ser o tal, sem ser normal. E sem ser desrespeitoso também, é claro, comigo e consigo. Sinopse da energia, um elo com o meu presente. Agora eu sou leal, é o que sou, pois fiel a você jamais. Não me engana mais não. Ando diferente do que eu era e estou me sentindo melhor assim. Agora. By now. Anda tão gostoso, cremoso, cheiroso, jocoso. Ando tão bem, tão zen, tão sem, você nem imagina o quanto.

Exigiu certo sacrifício, é verdade. Foi duro, sofrido, intenso e doído. Essa imersão não foi nada fácil. Mas também foi poética, como ainda és, e como és tu também, menina moça, tanto que cheguei até aqui. E o que é, me diga sua espertinha, um novo posicionamento e um reconhecimento de si próprio que não venha carregado de feridas colecionadas ao longo da travessia? Estamos aí, todos, estou aqui, estou em mim. Estou pra ti. Por que não vem comigo? Puxe o carro, corra, acelere o passo, me alcance, me carregue, isto não quer dizer que vá passar ingenuamente na frente dos bois, ou que o passado ainda grita por você, ou que a hora não é agora. É sim, vem! Vem ser o meu presente, vem ser o meu agora, vem ser o meu depois também. Vem ser comigo. Pode até ser que passe, mas quero celebrar, eu quero um samba só pra mim, eu quero um baião pra nós, eu quero a melodia até o fim. Eu quero assim! Então me liga, me grita, me clama, me chama, sou chama, me acende, transcende, me aceite como sou, como estou hoje, vamos de mãos dadas, será um prazer. E se eu tiver que lutar, vou lutar por ti, por mim, por nós. E se eu tiver que morrer, que o façamos juntos, pois não iria partir por ninguém que não fosse você.

Então escuta um Vinícius aí pra celebrar!


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Ahhh, o carnaval!

O pé quebrou, os ombros ainda doem, mas está tudo tão leve. É indescritível tudo isso que aconteceu nas duas últimas semanas em beagá. Sem palavras. É como estou sentindo-me agora. Praia, Alcova, Mamá na Vaca, Cha Cha, Manjericão, Então Brilha. E todos os outros também. Foi lindo, beagá ficou em festa, florida, cheirosa, gostosa, deu samba! Carnavalizou geral. Inesquecível. E só de pensar que tudo começou de qué-qué despretensiosamente há alguns anos. Sei não, parece-me que vai longe essa estripulia coletiva. Dá para fazer diferente. A rua é nossa! Imagine então o que está por vir. E sábado tem mais, né não? Bora fechar tudo bonitinho. Participemos, minha gente! Todos nós.

E dói só de lembrar que nessa altura do campeonato, já de volta à rotina, se é que podemos dar esse nome a esse restinho de semana, o meu coração ainda está serelepe, saltitante, sorridente, estridente! É pura brasa! E não é só em mim, estimo, mas em você e em todos nós que participamos disso que chamamos singelamente de carnaval. E, vem cá, não sei não, mas acho que jamais me arriscaria a dizer que tudo isso foi apenas carnaval. Não, não, carnaval não, é muito pouco, seria muito reducionismo de minha parte. Isso é o que acontece o ano todo, em todos os estados, em todos os lugares, em todas as esquinas. O que aconteceu aqui tem outro nome: prefiro chamar de HISTÓRIA. E eu participei.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Misturinha infalível

É que no carnaval eu voltei a sorrir. E você sabe porque. Será que vai topar? Eu topo. E já aviso de antemão. Ainda é um sorriso tímido, escondido, mas o fato é que essa misturinha ainda vai me matar. Infalível. Modificou-me a danada. E olha que há pouco eu ainda estava lá bem quietinho num vôo solo, clamando por fugir da dor. Parece-me que os dias foram contados e, como se fosse um prazo expirando-se minuciosamente, foram separados por conta-gotas. Foi-se. Acabou-se. E você, agora, apareceu. E é engraçado ter surgido assim, do nada, nessa hora, as semelhanças são muitas, talvez os mesmos amigos, os mesmos programas, os mesmos lugares, ah!, e eu também gosto de água com gás. Não foi completo, na verdade ainda nem foi, nem sei se será, é um nada ainda, um tipo quase, ninguém aqui está apaixonado nem nada, coisa e tal, assim como você eu também sou difícil, também estou comigo, em mim, pra mim – não é bom? -, mas o fato é que essa misturinha do carnaval mexeu comigo. E eu aceitei. A carapuça serviu. Serviram-me também as minhas investidas. E há de continuar mexendo comigo essa danada? Sei não. Por que não? Vou tentar. Afinal, agora o desafio está colocado frente a frente com os meus dias, com os teus, com os nossos.

O fato é que me arrancou um sorriso maroto – e não no peixoto, foi antes -, na verdade alguns, e colocou-me em sinergia com tudo aquilo que chamamos de folia. Joguei-me, transbordei-me em alegria, quase gripei, mas acreditei que é possível. Ontem eu dancei sozinho até o sol raiar. Uma festa em mim. E agora aceitei que devia me declarar, como estou agora a fazer. Costumam me dizer que às vezes acelero os passos, não seguro as rédeas, solto palavrinhas fora de hora, fora de ordem, umas sujas, outras lindas, agora algumas também para você, outras para mim, muitas para ninguém. Às vezes sem voz, é verdade, mas o que seria de mim, esse ser carregado de sensibilidade, se eu não seguisse à risca aquilo que as minhas entranhas me ordenam? Cutucaram-me, arranharam-me. Chacoalharam-me essas danadas. Fui lá e fiz. Bem de leve, é verdade, e espero que não saia caro. Mas se sair, se essa estrada for um pouco mais longa do que o que eu espero, o importante é que tu agora sabes daquilo que começou a se passar aqui desde a primeira vez que te vi sorridente e saltitante. Bela. Muito. E como és gentil também. Muito. 

O fato é que eu te quis, quero, quero que você me queira, e esse desejo agora reside em minhas veias. Vou lutar, como você sugeriu. Mas não vai ser uma disputa de facas, espadas ou armas de fogo, será uma singela batalha para transcendermos aquilo que ainda não nos é comum. Sei que quando nos conhecemos estávamos mascarados, ambos, ainda era carnaval, então “deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar”, deixa a vida acalmar-se e as horas passarem. Eu quero reencontro. E não se assuste, nem nada, pois por enquanto eu quero só esse primeiro passo. Eu quero o teu beijo. Quero experimentar essa coisa toda de sentir-nos, embriagar-me de mim, e você de você, e a gente da gente, na gente, porque assim é que é bonito. Vamos ver no que é que dá. E o resto, bom, o resto a gente deixa para depois. 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Carnavaliza beagá!

É carnaval! Ah, o carnaval. Que delícia esse carnaval de beagá, minha gente! Tudo bem, vai, vou assumir que no sábado eu comecei literalmente com o pé esquerdo - tá machucadinho, coitado -, mas é como se tivesse sido com o direito, foi muito bom, "incelente maravia", foi lindo! E ontem, lá no Seu Orlando, o Moreré foi uma belezura que só vendo... Tá todo mundo curtindo!

Na quarta, todo mundo chamou o síndico com força, e hoje tem o Beijo Elétrico na Savassi e tem também o Cães de Alfama, só que esse é lá em santê. E pra fechar, a Velha Guarda da Mangueira. Vai perder? Escolha um e se jogue! Amanhã, sequência imperdível começando pelo De qué-qué, encontrando o Então Brilha!, depois o Batizado da Mosca e então todo mundo se juntando e espremendo de sungas, cangas, biquínis, e de camisas laranjas ou verdes, coloridas, todos coloridos, ou de Toca Raúl, seja lá o que for, ou até peladões, quem sabe, para purpurinar geral a Praia da Estação – e com uma passadinha na prefeitura também porque não custa nada! É pra sacolejar! E depois o encontrão mágico lá no 41, onde o Approach estará nos esperando. E será que o bloco mais uniformizado do carnaval estará lá também esse ano? Sei não, tomara que não! Simbora? Eu, você, todos nós, vamos! É carnaval!

Domingo não para. Claro que não, não é nem a metade... É começar no 41 (de novo!), com o grande encontro das Misses e do Cacete da agulha que logo mais prosearão com o Queixinho, que (silenciosamente, será?) estará nos esperando lá na Praça da Liberdade. De lá, só Deus sabe! Um engovzinho vai bem, ok? E pra finalizar, o mais sensacional dos sensacionais dos sensacionais de todos os tempos: a Alcova Libertina. Chuta! Chuta! Chuta! É em santê também, minha gente! E na segunda ainda tem o Chacha, depois na terça o Peixoto e na quarta o Manjericão. Tem outros vários também, que não me lembro agora. E como ninguém é de ferro, e todo mundo sempre pede mais um, "mais um, mais um!", no sábado pós-carnaval tem mais! E aí já é surpresa...

Beagá tá linda, precisa ver. “Lá no Floresta a galera tá insana e a Savassi vai virar Copacabana”, e nessa mesma toada todo mundo vai estrangular a coxinha da madrasta. Chuta! Chuta! Chuta! E que venham as estripulias, vale tudo, que venham as fantasias, começa com m e termina com erda, que venham as alegorias, que venha a alegria. Purpurine-se, realize-se, divirta-se, entregue-se e jogue-se, sobretudo, e salve-se quem puder!!!!!!!!!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

E agora, Arnaldo, pode ou não pode?

Normal eu não diria. Não é normal. Não pode ser. Essa coisa toda de faz de contas, de contos, de desencantos, assim assado, de reencontros mal arrumados. Só há desencontros. “Aqui na terra está tudo errado, seu guarda!”. “Peraí seu juiz, não tem vermelho não?”. “Quer enganar quem?”. Não é normal. Normal não, antes fosse, tá qualquer coisa menos isso, “esse pessoal já tá pra lá de Marrakesh”. Nada aqui é normal, e agora é aí, aqui em cima a coisa já tava preta, imagine então aí. Terrinha sem lei. Fiquei com medo, eu hein? Não quero fazer parte disso não, moço. Anormal também não acho, vai vendo, porque tudo já virou meio que tradição também, e lhes garanto: é como se tudo viesse do mesmo pote. “A gente vê tudo, tá seu moço?”. “Não se avexe não”. É um pote de ilusão. Um pote do não. Um pote cheio de enganação. “Tô só observando!”. Tudo da mesma laia, da mesma raia, da mesma saia. Saia! Saia! Saia!

Amanhã tem Moreré lá no Seu Orlando. Será que tu vai tá lá, seu guarda? Sei não. Normal não, eu não diria que não. Eu não acredito. Não daqui de cima. Sexta tem Beijo Elétrico lá na Savassi. E aí, vai poder? Sei não. Não dá para ver direito. Aliás, inclusive daqui de cima também não dá pra ver. Porque tem coisas que a gente até vê a olho nu. Mas outras não. Entendeu, zé do bambu? Nem precisa de zoom. Porque tudo se move, tudo se corrompe, tudo se vende, tudo se compra, nada se troca, tudo se engana. Domingo ferraram com a praça, mandaram fechar e o Queixinho tá lá, coitado, sofrendo. Um jogo estúpido de mal arrumações. E a gente aqui, nessa de fingir que entende. É como se fosse um sistema muito bonito, e funciona que é uma beleza. E é. Tem frituras, assaduras, e tem quibes também. Tem pra tudo quanto é gosto. “Vai um aí?”. “Quinhentinho paga...”. Só banana que não, né? Temos um abacaxi. Não preciso dizer com que letra começa e nem com qual termina. É melhor mandar todo mundo à merda. Não é normal, seu moço, isso não é normal!

Aqui em cima, outros que acabaram de chegar andam dizendo que por aí continua tudo na mesma, a mesma coisa, os mesmos trouxos. “O povo é trouxo, não é seu moço?”. Sábado tem Praia da Estação, e aí, vão deixar? Será que será, em? Domingo tem as misses, tem também o cacete e depois a Alcova. “Vamo invadí?”. Ano passado lá no 41 não foi bonito, em, lembrem-se disso! O bloco mais organizado do carnaval. Teve gente que viu, tudo uniformizado... Normal não, não pode ser, eu não entenderia, não aceitaria, e aí eu é que o diga: “vá à merda, seu vagabundo!”. “Ordem!”. “Os meninos estão indo estudar juntos na mesma sala, sabia seu moço?”. “É?”. “É, e ó que um tem sete e o outro tem nove”. “Pode Arnaldo? Não pode...”. Eu não. Eu não quero ficar nesse faz de contas de sermos o que a gente é, de fingirmos que os reencontros vêm, que vocês virão à tona, que as alianças se formam e se desmancham, essa de sabermos que os contos não existem. Conto de fadas aqui não. “Esse conto, seu moço, não existe!”. Aqui não tem bobo não, e aí embaixo também não! “Psiu, fica esperto, tá?”.

Normal seria se todos fossem normais. Se todos fôssemos. Porque na segunda tem mais, e na terça o Peixoto vem fechando tudo com chave de ouro. “Será que vem?”. “Pago pra ver, estarei lá!”. E o que é uma anormalidade, a não ser um resultado daquilo que se é, diríamos, normal? Anormal só os normais são capazes de ser. E vocês não o são. Anomalias, estripulias, regalias, covardias, isso sim é que é anormal, no sentido mais chulo. E é isso que vocês são. Um bando de delinquentes, inconsequentes, desesperados. Chulé, é isso que sentimos daqui de cima. Taquicardia. Fedor. “Vamo todo mundo pra rua galera, bora rapaziada!”. Dá vontade de vomitar. Até ele, que controla tudo aqui de cima, está vendo. “Sabiam, seus salafrários? Essa galera vai de qualquer jeito!”. É só isso que vemos daqui de cima. E é o tempo todo. São dois lados. E é muito claro. “Seus gananciosos duma figa!”. Vontade de descer não há, preferimos ficar aqui, por enquanto, já que nada vai voltar ao normal. Pelo menos não enquanto vocês todos estiverem por aí. “Entendeu, zero meia?”.

“Será que volta, moço?”. “O carnaval tá aí, a rapaziada quer dançar...”. "Tá todo mundo dizendo que vai pra rua, tá todo mundo querendo se divertir!". "Posso beber, pai?". "Será que vou poder mijar?". “Sei não, sei não, por que não pergunta para o prefeito, ou pro seu juiz, ou pro seu guarda, quem sabe eles não te respondem?”. “Ou então, ah! já sei!, quem sabe aquele moço ali na esquina tomando uma tubaína e comendo coxinha não te ajuda?”. “Ei, moço! Ei, moço! Vem cá!”. Fugiu...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ser jovem (ou o protagonismo juvenil)

Porque jovem é tudo. E ser jovem é querer tudo, sobretudo, ao mesmo tempo, não sobra nada. É se jogar brutalmente do mais alto andar do mais alto prédio sem se preocupar com a queda ou com o que o espera no fim. Seja morte, seja vida, é simplesmente não se preocupar, e é simples assim, mesmo, deixar pra lá. É ser intenso e inteiro, nunca pela metade. É ser ligeiro, sóbrio, denso, e sem mediocridade. É viajar sozinho sem fazer reservas, e sem estepes, ou sem lembranças, é simplesmente pensar em ir, e ir, e com meia dúzia de meias e um cantil, e sem filtro solar ou repelentes também, porque o jovem que é jovem não está nem aí. 

Ser jovem é ser livre, ser leve, ser próprio, ser inteirinho seu, de mais ninguém, é ser o avesso da cena, é ser de esquerda mesmo quando a direita valha a pena, é ser um pecado, é ser um bucado, é ser exaltado. Um descarado, um descolado, escancarado. Nem sempre bem amado, é verdade, ou mal também, mas de que importa se o mais doce da vida é querer pular de paraquedas, e pular; ser do lado de lá do Equador, e enfrentar; é escrever cartas inteiras de amor, e não enviar; é pular carnaval, e se esbaldar; é sofrer, e não temer; é não ter medo do pastor, ou do doutor, e mesmo assim ficar a tarde toda assistindo tevê sem saber o que espera o amanhã, ou o que o espera, amanhã ou hoje, talvez, e dar desculpas esfarradas para o chefe e simplesmente sumir, sem ter aonde ir, e sem limpar a casa, o chão, as louças, as roupas, as manchas, pois tudo isso pouco importa mesmo. O bom mesmo é esquecer-se de si e de repente ir. Bye. Porque jovem é maldito também, às vezes. Mal dito sempre. Ou quase. É meio sem mudanças, é um embriagar-se da sua própria alma, ou na sua própria alma, desde que constante. É decidir-se por si próprio. E é. Porque jovem que é jovem pode tudo.

Jovem não quer saber de outros jovens, só dos jovens dele mesmo, nele mesmo, os vários jovens nele. Mesmo. Os seus melhores. Ser jovem é não ser premeditado, mas que, quando necessário, fica dias sem dormir. E até medita para que possa, enfim, romper. Seguir. Ser jovem é ser leal, intacto, brutal e letal. É desmaiar às seis e levantar às quatro, ou o contrário também. Ser jovem é não planejar. É não esgotar-se. Jamais. Esgotabilidade sem fim. E é simples, não custa nada. É não se preocupar com dinheiro, porque custa só aos outros, aos velhos, aos podres, aos padres, às madres. É não enferrujar, é aprender minuciosamente como dar o primeiro trago, o primeiro vício, o primeiro gole, o primeiro trampo, o primeiro trapo, o primeiro toque, o primeiro beijo. Desejo. Jovem é desejo. E como. É errar o vestibular por querer, é dormir na casa do vizinho, é fugir com a namorada, matar aula, é meter-se em mil enrascadas e depois ir em cana, e depois seguir, rir, sorrir, e nada mais, porque o bonito da vida é ser assim: jogar-se, entregar-se, desarmar-se, penetrar-se, desnudar-se. Porque jovem é vida. É vida. E ponto final.

Jovem não tem motivo para ficar ou partir. Elasticidade, comodidade, complexidade, intensidade, jovialidade. Coisas da idade. Jovem é pura contradição, descontinuidade, desconstrução, descontração, é contra-mão. Libertinagem. Assim, assim. É ser genuíno, sempre. Sente as perdas, sofre, mas segue, porque a vida segue, sempre, avante, adiante, é longa, e porque não bela, linda, minha, e as suas angústias revezam-se entra a imensidão do mar e o buraco das formigas. Como são as minhas. Às vezes boas, às vezes grandes, às vezes ruins, às vezes nunca. Mas é diversão pura e gratuita. E descontida também. Porque o jovem que é jovem não come, devora; não bebe, entorna; não dorme, cochila; não sai, dá rolê; não copia, nem cola. Inventa. Sacode, estarrece, estremece. Enlouquece. E é assim, porque é o máximo que ele pode, é o máximo que ele pode querer. Ser. Gozar. E o jovem é. E o jovem goza. Porque para o jovem que é um jovem, de fato, não basta atingir os limites, tem que transcendê-los. É vento. Porque o jovem que é jovem sabe viver. Porque o jovem que é jovem sabe morrer. Mas o jovem que é jovem, sobretudo, não simplesmente vive, ou morre, protagoniza.

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Como o fiz no dia de ontem, quando nem bem tinha começado o carnaval...

Veja o antes...                                                      e o depois:


Protagonizem, jovens! 
Carnavaliza beagá!!! 
;)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Micro-crônica do adeus

Hoje o dia amanheceu menos feliz. Triste. Acordamos, todos, e lá estava estampado nos jornais. Foi-se Wando. Aquele lindo, eterno, inesquecível. É inacreditável. E não pela partida em si, já estava sofrendo há dias, mas porque Wando será um desses caras que a gente sempre vai se pegar pensando se já foi ou não, tamanha a sua presença quase que diária em nossa wandices, batizando carinhosamente agora aquilo que costumamos chamar por breguices, esquisitices, maluquices, estranhices, bananices e loucurices do amor, ou do quase amor. Que seja.

E para as mocinhas e os mocinhos mais audaciosos, que jogue a primeira pedra quem nunca colocou uma calcinha pensando nele. Eu já. A minha fantasia está quase pronta. Uma das festas que mais adoro, "Eu não presto, mas eu te amo", agora têm um pote cheio para as baladinhas. E eu não perderei nenhuma, é claro! Wando foi, mas as homenagens ficarão. E as calcinhas também. Para quem daremos as calcinhas agora, moço, pro restart? Pro nxzero? Pro michel teló? Todos minúsculos, nenhum a seus pés. Jamais. E com ele, aquele fofo, foi-se também uma época boa, divertida, nostálgica, de fogo e paixão, e que o Beto Barbosa e o Magal continuem por aí, e que a bandeira eterna das wandices verdadeiras se mantenha viva.

Vi um movimento por calcinhas pretas hoje. Discordo. Não as usem hoje moças, moços, suplico, não há que se falar em luto. Usem vermelhas, rosas, comestíveis, amarelas, coloridas, sensuais, ou dispam-se já, mas sobretudo sintam, amem, gozem, pois é assim que ele gostava, gozava, queria. E muito. E que tenhamos, todos, um amor romântico cheio de wandices e que seja para sempre, pelo menos enquanto durar, como durou Wando que hoje se esvai, novo, com sessenta e seis, mas com muita história pra contar lá em cima. Ouvi dizer por aí que está levando oito malas consigo e que também já autorizaram o excesso de bagagem. Passa, moço, passa. Wando pra sempre!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Acordei

Acordei triste. Cansado. Estrada novamente, preciso. Cidade novamente, um caos. Casa. Não há novidade. Ruas. Há trânsito. E brigas, e discussões desenfreadas, e apenas o barulho do freio dos carros. Motores, não batam. Isso é agressão. Roedores. Coxinhas. Falsos atores. Molestadores. Não há poesia. Não há flores. Não há rima. Não há consentimento. Que venha o carnaval. Ebulição é minha alma, vontade de voltar. Vomitar. A praia, a beira, à espreita, o rascunho, a canga. Os meus livros. E os meus cigarros também. Estão longe, todos, tolos, e aqui tudo tão perto, vago, impreciso. Não sei o meu lugar. Agora, amanhã. Quisera saber.  Quisera querer. Observar. Distante, alma presa ao volante. Devo trabalhar. Lá vou eu, a labuta me aguarda. E o meu chefe também.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Marimbondo

“A dor de estar distante não é maior, tenha certeza, do que a felicidade em saber que tudo caminha tão bem”. Foi o pensamento que me veio quando, ainda de férias e longe de beagá, tive notícias do lançamento de “Marimbondo”. Alguns podem julgar esta pauta como atrasada, lá se foram mais de dez dias, mas não me arriscaria jamais a dizer isto sobre uma das matérias mais inovadoras e contemporâneas que já me deparei. É veneno na veia. Feitura linda isso que habitualmente chamaríamos de revista, mas que prefiro tratar desde então como uma obra de arte, e das primas, resultado de um longo e intenso, mas não tão tenebroso inverno ao qual se embrenharam as brilhantes, sensibilíssimas e criativíssimas Júlia e Carol (Canal C), com toda a sua trupe, é claro, liderada pela não menos brilhante e criativa Mariana (LAB Design).

Ao voltar de férias, um pouco ansioso, confesso, rapidamente tive mais e mais e mais notícias. Não parava de recebê-las. Esquivei-me por alguns instantes, e juro que tentei, mas não consegui esperar o meu exemplar e logo saí correndo para investigar, sem contar para ninguém, aquilo que estava chacoalhando os esqueletos dos belo-horizontinos, cutucando alguns, encantando outros e fazendo até defunto se remexer no caixão. Foi quando descobri e tive coragem de encarar o conteúdo que as meninas fizeram questão de disponibilizar integralmente no site do projeto. Versão sem cortes. Foda. Posso usar esse termo? Foda! 

Não cheguei nem à metade, mas fiquei encantado também - como muitos dos outros e como há muito não ficava - e pude detectar logo nos primeiros parágrafos, nas primeiras imagens e nas primeiras dobrinhas, a transcendência completa daquilo que, como disse, nos acostumamos a chamar por revista. Veja por si só, isso sim é uma coisa à nossa época. Caras, bocas, fatos e palavras em sua face mais crua, nua e genuína. E com os melhores trocadilhos possíveis, e não lá, mas cá.

Fico muito feliz, e de peito cheio, arriscando-me – e isso eu já disse às autoras antes mesmo desse post - como um dos maiores cúmplices dessa promissora história. É com muito prazer que integro a equipe desta ideia – que é muito maior do que um projeto, e eu sempre soube disso, elas “bobas” é que não sabiam -, mesmo que tenha de me empregar uma forcinha extra para dar conta enquanto tudo isso durar. Quem me conhece bem sabe do que estou falando. E que dure bastante, pois coisa nossa é coisa boa, como bem adiantou o meu amigo Dedé outro dia - aqui e aqui -, com palavras não menos sensíveis e legítimas do que as minhas.


Com a tua licença, agora, serei um pouco egoísta e passarei a chamar esse projeto um pouco de meu também, de nosso, de todo mundo, mesmo que o continue fazendo da forma mais possível que encontrei. Marimbondo é linda. É a alma gêmea dos nossos tempos. E que chegue logo o meu exemplar, e que venha logo a segunda edição! Emocionei.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mais do mesmo

O ano começa agora para mim. E é agora que o ano do blog começa também. Roda-gigante frenética essa minha vida, retrocesso sinistro esse retorno à capital. Parecem-me não terem sido suficientes, as férias, por mais que eu ainda não tenha dado conta de que acabaram. Ou talvez esteja fazendo-o, agora, no momento em que escrevo esse texto. Voltei, é. E na volta o choro veio novamente. Só que é um choro um pouco diferente de antes, não caem lágrimas, é de dentro, não sei bem explicar, e também não é só meu, é nosso, vem um pouco carregado dessa difícil missão de retornar à realidade, ou melhor, de encará-la de frente.

A desconexão é muito clara, estamos indo para um lugar muito pior do que estávamos pouquíssimos dias atrás. É só ficar alguns dias fora que a percepção torna-se ainda mais clara: mais do mesmo, nada mudou. Variações sobre os mesmos temas. Blá, blá, blá. É coxinha pra lá, coxinha para cá, os políticos continuam a mesma m... erda de sempre, com direito a qualquer trocadilho possível, enchentes, enchentes e mais enchentes, o carnaval lindo de beagá com marchinhas censuradas, a ineficiência do poder público, preconceito com tudo e todos, e em todas as classes, pau geral. Pane. Hora de pular de alguns barcos e jogar-me em outros novos, como bem adiantei outro dia no texto "Lutamos como nunca, perderemos como sempre?"Estou um pouco perdido, confesso, meio que desnorteado com isso tudo que chamamos de rotina, de cidade grande, de velhos amigos, do dia-a-dia, do tudo igual, do mais do mesmo. Ira.

Nas férias, li cinco livros, depois falo sobre eles, mas o que mais me pegou foi o “Pequenas Epifanias”, seleção de crônicas do Caio F., editado depois de sua morte. É surpreendente, e é de onde retirei o texto abaixo, que é de 1987. Muito mais atual, contemporâneo e decente do que todos os salgadinhos descentes que vemos por aí. Fala de aids, mas fala de tantas outras coisas também... Para bom entendedor, basta. E nem precisa de meia-palavra. E os nossos problemas? Bom, os nossos problemas não acabaram e não há ambervision que resolva tudo isso. Continuam os mesmos, é como se se todas as ideias, as propostas e a força da sociedade fossem morrendo aos poucos. É sempre mais, é sempre o mesmo, é sempre mais do mesmo. Precisamos mais é de nós. E sempre.


A mais justa das saias


Tem muita gente contaminada
pela mais grave manifestação
do vírus – a aids psicológica.


A primeira vez que ouvi falar em aids foi quando Markito morreu. Eu estava na salinha de TV do velho Hotel Santa Teresa, no Rio, assistindo ao Jornal Nacional. “Não é possível” – pensei – “Uma espécie de vírus de direita, e moralista, que só ataca aos homossexuais?”. Não, não era possível. Porque homossexualidade existe desde a Idade da Pedra. Ou desde que existe a sexualidade – isto é: desde que existe o ser humano. Está na Bíblia, em Jônatas e Davi (“... a alma de Jônatas apegou-se à alma de Davi e Jônatas o amou como a si mesmo” – 1 Samuel, 18), nos gregos, nos índios, em toda a história da humanidade. Por que só agora “Deus” ou a “Natureza” teriam decidido puni-los?

Mas de coisa que-se-lê-em-revista ou que só-acontece-aos-outros, o vírus foi chegando mais perto. Matou o inteligentíssimo Luiz Roberto Galizia, que eu conhecia relativamente bem (tínhamos até um vago e delirante projeto de adaptar para teatro Orlando, de Virgínia Woolf, com Denise Stoklos no papel principal, já pensou?). Matou Fernando Zimpeck, cenógrafo e figurinista gaúcho, supertalentoso. E Flávio Império, Timochenko Webbi, Emile Eddé – pessoas que você encontrava na rua, no restaurante, no cinema. O vírus era real. E matava. Aí começaram as confusões. A pseudotolerância conquistada nos últimos anos pelos movimentos de liberação homossexual desabou num instantinho. Eu já ouvi – e você certamente também – dezenas de vezes frases tipo “bicha tem mesmo é que morrer de aids”. Ou propostas para afastar homossexuais da “sociedade sadia” – em campos de concentração, suponho. Como nos velhos e bons tempos de Auschwitz? Tudo para o “bem da família”, porque afinal – e eles adoram esse argumento – “o que será do futuro de nossas pobres criancinhas?”

Só que homossexualidade não existe, nunca existiu. Existe sexualidade – voltada para um objeto qualquer de desejo. Que pode ou não ter genitália igual, e isso é detalhe. Mas não determina maior ou menor grau de moral ou integridade. (É curioso, e revelador, observar que quando Gore Vidal vem ao Brasil, toda a imprensa se refere a ele como “o escritor homossexual” mas estou certo que se viesse, por exemplo, Norman Mailer, ninguém falaria do “escritor heterossexual”). Sim, a moral e os bons costumes emboscados por trás do falso liberalismo – e muito bem amparados pelo mais reacionário papa de toda a (triste) história do Vaticano – arreganha agora os dentes para declarar: “Viram como este vício hediondo não só corrompe, mas mata?”

Corrompe nada, mata nada. Acontece apenas que a única forma possível de consumação do ato sexual entre dois homens é mais favorável à transmissão do vírus, que se espalhou nesse grupo devido à alta rotatividade sexual de alguns. E é aí que começa a acontecer isso que chamo de “a mais justa de todas as saias”. Afinal é preciso que as pessoas compreendam que um homossexual não é um contaminado em potencial, feito bomba-relógio prestes a explodir. Isso soa tão cretino e preconceituoso como afirmar que todo negro é burro e tudo judeu, sacana.

Hetereos ou homos (?), a médio-prazo iremos todos enlouquecer, se passarmos a ver no outro uma possibilidade de morte. Tem muita gente contaminada pela mais grave manifestação do vírus – a aids psicológica. Do corpo, você sabe, tomados certos cuidados, o vírus pode ser mantido à distância. E da mente? Porque uma vez instalado lá, o HTLV-3 não vai acabar com as suas defesas imunológicas, mas com suas emoções, seus gostos de viver, seu sorriso, sua capacidade de encantar-se. Sem isso, não tem graça a viver, concorda? Você gostaria de viver num mundo de zumbis? Eu, decididamente não. Então pela nossa própria sobrevivência afetiva – com carinho, com cuidado, com um sentimento de dignidade – ô gente, vamos continuar namorando. Era tão bom, não era?

Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 25/3/1987


E chuta a família mineira!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Férias em mim

Game over. Acabou. Foi-se aquilo que habituei-me a chamar sem culpa alguma por férias. Pequena pausa. Foram vinte e cinco dias comigo. E foram uma delícia. Necessários. Três mil trezentos e trinta e dois quilômetros. Eu, as minhas lembranças, o meu carro, as minhas angústias, o meu ipod, as minhas perguntas e o meu cigarro, que ainda não consegui largar. Impressive. Me joguei. Morro de São Paulo, Moreré, Itacaré, Arraial, Tranconso e Caraíva, necessariamente nessa mesma ordem, umas boas, outras médias, todas lindas, e muita história para contar. Se você ainda não foi à Bahia, nega, então vá.

Silêncio. A maioria do tempo foi assim. Ficamos fechados. Eu e o mar. E o meu rascunho também. Era a proposta mais genuína e legítima que eu poderia me proporcionar. E abracei. Imergi-me nos mais profundos e minuciosos detalhes naquilo que também habituei-me a chamar, nessa viagem, por auto-reconhecimento. Não fui ao meu encontro completo, supremo, ao extremo, into the wild como tanto queria, e esse é o resumo da obra, tampouco lancei-me brutalmente àquilo que tenho insistentemente tratado como o novo. Também não fiz muitos novos amigos, é verdade, mas tudo isso pouco importa, pois fiz muitos amigos em mim.

E que venha dois mil e doze. E que venha suave, doce e tranquilo, como a benção que tanto aguardamos de iemanjá no dia de amanhã. Eu quero é paz, eu quero é mais.