domingo, 14 de agosto de 2011

Um presente para ele

Outro dia, atendi ao telefone e logo ouvi: “Fala poeta!”. Fiquei paralisado por alguns instantes, sorri sozinho, mas mantive a conversa como se nada estivesse acontecendo. Falamos de trabalho, da saudade, do dia-a-dia e de coisas quaisquer, mas aquilo me marcou, entrou para a lista de “coisas a serem publicadas” e ali ficou guardadinho, esperando o momento certo. Na ocasião, o meu leitor deveras empolgado do outro lado da linha era o meu pai. Decidi hoje, então, responder com esta carta aberta. 

Poeta, eu? Pera lá. O artista aqui é você. Quem é que já regia aos quinze, flauteou e trumpeteou como ninguém e uma banda inteira orquestrou? Quem é que revolucionou a cena artística varginhense – e olha que tarefa difícil! -, que é a referência em produção cultural na região e que despertou em mim esse lado mágico da vida que é trabalhar com arte?

E foi exatamente assim. De certa maneira, eu fui preparado para virar engenheiro, advogado ou médico. Não que toda a família me induzisse a tal, pelo contrário, mas o ambiente que cresci, a escola, os amigos de infância, os pais caretas dos amigos e a sociedade pra lá de tradicional sempre me remetiam ao “lado negro da força”. Mas foi aos quartoze, quando comecei a entender um pouco mais de como as coisas funcionavam, que decidi segui-lo. Você nem percebeu, mas desde já eu comecei a te enganar. Ali dei os primeiros passos, hora panfletando, hora vendendo ingressos, depois fingindo que sabia fazer. Fingia que sabia fazer produção. E fingia muito! Fingia que cuidava da segurança, da portaria, eu fingia que sabia cuidar do camarim e tinha certeza de que alguma coisa estava sendo feita por mim. E você, silenciosamente sempre ali do lado, observando e cuidando para que eu não fizesse nada de errado, mas que mesmo assim continuasse acreditando que eu mesmo é que estivesse cuidando de tudo. E eu, claro, caía.

Logo depois, quando fui para a capital atrás do meu sonho, descobri o universo dos projetos, me especializei nas danadas das leis de incentivo e dali parti para chegar onde estou hoje: feliz. E agora, quase aos trinta (tarde, confesso), faço questão de escancarar essa inspiração que, por mais que sempre estivesse presente no nosso dia-a-dia, nunca tinha sido verbalizada. Sempre ali oculta, nas entrelinhas, apesar de todos sabermos de onde vim e porque é que eu estava ali.

O meu pai é diferente. Ele organizava os campeonatos de xadrez apenas para que eu pudesse manter acesa a chama do meu sonho, ele faz um festival de rock n’ roll na roça, um outro na estação de trem, ele dirige um teatro e rege uma banda inteira. Ele tinha uma labradora, hoje tem uma poodle, ele toma todas comigo ou sem-migo, leva o meu vô Tarzan para pescar e faz o melhor frango ensopado que eu já comi. Ama infinitamente a minha mãe, ama a mim e aos meus amigos, volta e meia fico espantando com os tantos outros que também o amam, o admiram ou o tratam como um mestre. E ele é exatamente isso, um mestre. O seu pode até fazer isso tudo vezes dois, mas eu sempre vou ficar com o meu.

E é por isso, pai, de peito cheio e com muito orgulho que hoje eu digo:
O jazz aqui é você. Eu sou apenas a cópia.

Provavelmente, quando estiver lendo tudo isso, eu já estarei longe e de volta à rotina. Se nesse momento encher os olhos d’água, não segure, porque assim que é bonito.

Espero estar retribuindo a todos esses anos de amor, carinho, educação e a forma de condução que você e a mãe – que depois receberá também um texto exclusivo - deram para a minha vida.

Feliz dia dos pais.
Te amo.

4 comentários:

  1. pai é tudo na nossa vida! muita saúde e felicidade pra todos eles! eles merecem muito. lindo post!

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  2. deixa eu recuperar um pouco da emoção para te agradecer pela surpresa. Numa segundona desta receber este texto é grande ânimo para viver melhor ainda - obrigado pelo carinho e pela emoção - que todo pai tenha filho dedicado e carinhoso como vc...bjos - Pai

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  3. Lindo texto... adoro declarações sinceras de amor... e talvez sejam realmente necessários trinta anos para se poder falar assim, com clareza, sem artimanhas, e simplesmente agradecer... eu que também tenho o melhor pai do mundo, amei!

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  4. "De onde você vem, é de onde você fala". Parabéns ao Rosildo, mais que pai, amigo do autor deste blog. Êita família fina... Abraços!

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