na
verdade, tudo começou há algum tempo. acho que foi há uns dois anos, um pouco menos ou mais. no fundo, acho que começou quando eu me comecei, quando me vim
ao mundo. todos nascem para o mundo, afinal, como hoje me arrisco capaz de afirmar. essa
viagem começou no dia 23 de maio de 2011. era aniversário da minha avó, os seus
80, e não, a escolha não foi por celebração à ela, com a licença permitida. decidi me celebrar
naquela data. alguns vêm e vão, outros vêm e ficam, mas depois se vão, e quem
fica mesmo, no final das contas, é a gente mesmo e olhe lá. redundante fosse, ou
clichê, se não fosse assim tão hoje, real em vida, presente instante.
essa
viagem começou quando eu a desejei, quando eu comecei a planejar algum dinheiro
para que pudesse me confortar à escolha, começou no dia em que me separei, quando
perdi alguns quilos, algumas roupas e alguns amigos, quando me distanciei dos
meus melhores amigos quando estava apaixonado, quando estive em depressão, quando
tomei coragem e me desliguei do emprego de salário bom ou quando reclinei diante
de novas propostas deliciosas e tentadoras, começou no dia em que pisei pela
primeira vez em Paris e chorei sozinho, quando fui à Nova York e não queria
voltar, em todas as vezes que fui à São Paulo e me sentia vivo como aquele
poema do Leminsky, quando pisei na Lapa e agradeci de joelhos por estar
voltando pra casa, começou nas vezes em que estive na Ilha de Boipeba e na
primeira vez que pisei na Serra do Cipó, mesmo há dez anos a algumas horinhas
dela, tão bela e logo ali. começou quando fui à Praia da Estação pela primeira
vez, quando o carnaval voltou, quando voltei à minha cidade natal e não podia
mais chamá-la de minha, quando recebi a notícia que um amigo morava em Londres
e outro em Lisboa, que outro esteve de licença da vida por tempo determinado,
que um outro iria se casar em breve, que alguns estavam grávidos, quando
comecei a namorar, quando em todas as vezes que fui, fui, fui, mas que depois
me vim.
hoje
o texto não é literário, pois o processo em si já é poesia pura. vou viajar o
mundo, ou ao menos uma parte dele. prometi-me que não houvesse roteiros fixos, mas
apenas desejos e motivações, que não houvesse produção ou reservas, mas apenas
uma passagem de ida, que houvesse apenas uma mochila nas costas, alguns
cigarros, muitos papeis e canetas, uma câmera fotográfica, algumas poucas roupas,
um protetor solar, um repelente, uma toalha de microfibra que cabe no bolso, descobri
outro dia, um chapéu e uma ceroula para que não morra de frio, meia dúzia de
badulaques quaisquer e alguns cartões-postais não sei de onde para enviar com
um sopro de vida aos meus queridos mais próximos. vou sem muitas promessas, sem muitos
desejos aparentes, vou para encerrar algum tipo de gestalt, como uma amiga
frisou outro dia, e me encontrar lá na frente, quem sabe. ando precisado de mim.
ando precisado de ir. e acho até que já escrevi de tudo um pouco sobre isso,
mas nada que se materializasse como esse agora me permite, então.
a
viagem recomeçou ontem, quando tomei todas as vacinas obrigatórias. recomeçou
na semana passada, quando decidi que iria visitar a minha prima-irmã na França
e só de lá decidir o resto. recomeçou há pouco mais de um mês com as
manifestações, com a ocupação da câmara, com as estranhezas de sempre do poder
público e com a retirada de campo à força do tesão com algumas poucas
coisas que ainda me faziam muito bem ou pelo menos me enganavam e me
alimentavam. recomeçou quando hoje, pela manhã, acordei e tinha chegado uma
revista baranguinha que insisto em assinar, mas que ao menos uma vez me fez
muito sentido ao trazer em sua capa uma terra que nutro um desejo muito grande
de visitar sob a chancela “seja feliz com 50 dólares por dia”. recomeçou quando
uma amiga me mandou o link de um retiro budista, quando uma menina próxima
morreu de tiro, com o debate da velha mídia com alguns dos meus pares, quando
liguei para a minha mãe em uma pré-despedida, quando contei à namorada e aos
amigos mais próximos. recomeçou outro dia, pois já não estou mais aqui, mesmo
que doa, e quando recebi a cotação da passagem apenas de ida e ela coube no meu
bolso. e os meus sonhos também.
te amo, te amo, te amo.
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