domingo, 18 de março de 2012

Da série micro-contos (1)

Ela fingia que me amava e eu, tolo, fingia que acreditava. Na verdade, aceitava. Mas gostava também. Criei um pseudo-universo de sonhos. E nele imergi. E comigo Ana Amélia, fingida, esse universo era nosso. Fingíamos que sonhávamos, fingíamos acreditar no impossível, pois era possível posto que fosse frágil, útil, cômodo, nos entregávamos à gente. Ou fingíamos que sim. E houve paixão, e houve tesão, e houve muita diversão. Um quase amor. Era aparente que sim. Casamos, fingimo-nos felizes, nos enrolamos, desabrochamos, nos ancoramos naquilo que chamávamos de vida a dois, em nós dois, tivemos filhos também. Anos juntos, velhice tardia, chegou, e nunca nos preocupamos muito com os outros. Ou fingíamos que não. Deixe que pensem, pensávamos.

Ela sabia que eu sabia que ela fingia, e fingia não saber, e eu sabia que ela sabia, pois fingia, e fingia também não saber. Bem querer, mal querer. Por querer, sem saber por que, acabei arriscando-me. Entreguei-me ao amor, a nós dois, sem fingir, ou fingindo-me que sim. E Ana Amélia também. Pois bem, meu bem. Deixe que pensem, pensávamos. Não tem problema. Deixe que digam. Sentia-me bem. Sentíamo-nos bem. Mas Ana Amélia me deixou, não aguentou, anos depois, e aí a dor, a minha, não aguentou mais o nosso pseudo-carinho, a nossa fantasia, a nossa pseudo-união, hora só minha, hora só dela, hora nossa por inteiro, o nosso conto de faz de contas. Um mundo fingido, incompleto que era, não podia mais fingir. Danada. Fugia-se de si, em demasia, e o fato é que, fingimentos à parte, o amor acabou. Foi-se. O amor fingido que restava. O amor fingido que nos restava. Fingi-me, então, bem. E ela também.

O fato é que, uma vez abandonado, e fingindo-me bem, zen, mas sem, toda vez que vejo um carro vermelho, como o dela, confuso fica o meu dia. Apego-me a lembrar de Ana Amélia, então, mesmo fingindo que não. E assim é toda vez que eu fumo escondido também, mesmo fingindo que não. Escondi-me, afinal, e também, anos atrás de suas costas, no nosso pseudo-mundo feliz, de sonhos, em baixo de suas saias. Fingi-me dela, fingi-me nosso, deixei um pouco de ser eu. Meu. Nunca fingi-me meu, e talvez seja isso, fui nosso, e talvez seja hora. Deixei-me de lado, esqueci-me de mim e fingia, sempre, que tudo ia bem. Foi embora, mas vez em quando volta. Com o carro, com os cigarros e com as flores, como aconteceu há poucos minutos com as que eu acabei de ganhar de Estela, que não é Ana Amélia, mas finge-se que sim. E eu acredito, e até aceito, e às vezes gozo, mesmo fingindo que não. Vez em quando, também, escrevo sobre ela, sobre Ana Amélia, não sobre Estela, como agora estou a fazer. E às vezes finjo-me novo, ingênuo, supérfluo, e finjo então que a esqueci. E ela já bem, tão sem, que nem, finge ao longe que acredita. E assim vou levando os meus dias, vazios, distante, fingindo-me que sim.

Um comentário:

  1. Como dizia a Didi: facil comecar, facil terminar...q nao eh facil nada. Dificil mais que tudo eh permanecer.....
    Ai Didi ainda n aprendi....

    ResponderExcluir