quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Medo

Hoje o céu nasceu nublado, a cidade silenciosa, uma atmosfera sombria. As folhas secas se espalharam pelo asfalto durante a madrugada, abruptamente o inverno vai se despedindo, eu me despindo e, suavemente, a primavera anuncia a sua chegada. A moça varre, a jovem de corpo escultural passa, o pescoço do carteiro entorta e o espectador, com medo, observa.

Desconfiado como só ele, fuma mais um cigarro para ter certeza de que a chuva não vem. Só, insólito e destemido, reflete sobre os medos de outrora. A velhinha na varanda do outro lado da rua - que faz crochê - sorri. Parece-lhe que ela nunca saiu dali. Ele, então, um ser carregado de angústias, lembra-se agora daquele medo da morte que insistentemente incomodava a sua alma. Ele, agora, é quem sorri. E sozinho. Medo da morte pra quê, se até a velhinha – que provavelmente está bem mais próxima de partir – sorri como uma criança ingênua? Ingenuidade sem fim, necessidade até pra mim.

Rapidamente lhe correm à memória lembranças da sua própria infância: os terreiros de café, o colo do vovô, a guerra de travesseiros com os primos, o primeiro beijinho na escola. Sorri mais um pouco e mais lentamente dessa vez. Como a primavera, que traz lembranças do passado e esperanças para o futuro, o sol vem surgindo bem quente, lá no oriente. Já aquela angústia, que minutos atrás permeava o espectador e fazia correr em suas veias um medo intransigente de partir, vai se desfazendo aos poucos.

Somo todos seres adaptáveis, carregados de medos, angústias e falsas verdades, nada como um bom dia após o outro. Um sorriso agora e outro bem maior amanhã. Felicidade é só questão de ser, não há nada além disso que possamos querer. Aqui é o nosso lar, aqui a nós enfrentaremos e a nós aguentaremos. 

O compasso da vida é assim, se aquele sujeito não sabia que coisas tão simples lhe trariam tanto conforto e alegria, pequenos momentos singelos, assim, em plena luz do dia, que devolva logo todas as horas de sono que tirou da sua mamãe. Porque se você vive pensando só no fim, se analisando pelos outros, depositando sua felicidade na culpa de estranhos, outro alguém terá que pensar por você, meu caro. Não tenha medo da morte, não se preocupe: é só questão de tempo, ela virá de qualquer forma.

3 comentários:

  1. Eu tenho medo e medo está por fora
    O medo anda por dentro do teu coração
    Eu tenho medo de que chegue a hora
    Em que eu precise entrar no avião
    Eu tenho medo de abrir a porta
    Que dá pro sertão da minha solidão
    Apertar o botão: cidade morta
    Placa torta indicando a contramão
    Faca de ponta e meu punhal que corta
    E o fantasma escondido no porão

    (Belchior / Pequeno Mapa do Tempo)

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  2. Saudosa canção, anônimo...

    "Eu tenho medo e já aconteceu
    Eu tenho medo e inda está por vir
    Morre o meu medo e isto não é segredo

    Eu mando buscar outro lá no Piauí
    Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
    Manda buscar outro, maninha, no Piauí"

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  3. "El miedo es una raya que separa el mundo
    El miedo es una casa donde nadie va
    El miedo es como un lazo que se apierta en nudo
    El miedo es una fuerza que me impide andar
    (...)
    El miedo es una sombra que el temor no esquiva
    El miedo es una trampa que atrapó al amor
    El miedo es la palanca que apagó la vida
    El miedo es una grieta que agrandó el dolor"

    http://www.youtube.com/watch?v=qV7AbIiAgJ0&feature=related

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