sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Sofrer de amor, segundo Caio

Eu te amo e, mesmo relutando, deixei você partir. Mesmo negando, eu queria dizer que não dói mais. Mas dói. Na verdade, eu nunca quis te pedir para ficar, mas eu queria participar de todos os seus dias. Para sempre, pelo menos enquanto durasse. Apesar de me preocupar e ficar ansioso, no fundo eu nem me importo muito com o que pensam ou com o que vão dizer depois. Nem você e nem os outros. Por isso eu digo, de corpo, alma e por todas as feridas não cicatrizadas, que ainda sinto muito a sua falta.

Eu só não queria ter que confessar que tenho lido e relido todas as cartas, visto e revisto todos os filmes, todas aquelas fotografias, as obras de arte e as lembranças de outrora. Eu não queria também que ninguém soubesse que eu contei cada uma de todas as duas mil, novecentas e cinquenta e sete vezes em que eu chorei sozinho. É, chorei muito. Mas acho que foi só por mim, não sei se pela nossa história. Oh, dúvida. Pode ser, também pode não ser. Afinal, tão bonita que só ela, se merece um choro é de explosão. Quanto foi bom! Eu queria mesmo era que ninguém soubesse de nada, de nenhuma vírgula dessa solidão ou dessa sensação de isolo ininterrupto. Mas, se não sou eu a cantar a pedra, quem é que um dia o faria em meu lugar.

Mesmo não ouvindo mais a tua voz, a lembrança de todas aquelas músicas da vitrola antiga, das paredes coloridas e dos versinhos de amor atravessados em plena luz do dia lança-me numa surdez absurda, para um lugar onde só dá você. E o meu ouvido, tadinho, nem cansa. Aqui, meu amor, só dói. Dói lembrar de alguns lugares, uns todos meus e outros todos seus, mas quase todos nossos. Eu envelheço e, quem conhece o meu vício, é bem capaz de entender do que estou falando. Esses lugares são para toda a vida, cativos na minha alma, não é mole. Poderei até voltar lá com outras pessoas, talvez, mas sempre sabendo que essas novas histórias e a felicidade de outrora não alavancariam jamais.

Você ri, não é? Devia mesmo. Pois ninguém me pergunta se eu progredi, apenas se estou bem. Ninguém me pergunta se eu me superei, apenas se eu te superei. Ninguém me pergunta se eu preciso de companhia, sua ou nova, apenas me chamam para beber. E eu, meu bem, eu bebo até cair. Ninguém me pergunta o que de bom ficou do passado, apenas se eu já te esqueci. E o passado, também, só me pergunta se acalmei. Se estou mal, ninguém pergunta. Se eu chorei, ninguém questiona. Se eu sorri, ninguém comemora. E se eu viver, é fato, o mérito será só meu.

Conheço bem a mim e ao meu passado. Algumas coisas mudam, o desejo pelo novo impera, mas lá na beiradinha da costela ou no fundo do seu útero, ei de alcançar e entender tudo de novo. Eu gostaria de saber como vai você. Coloco na balança, peso, vejo que tudo aquilo que nos proporcionamos valeu a pena: intensidade de uma boniteza sem fim. Por mais que você fique onde está, todas as suas marcas ficarão aqui. Intactas. E isso eu grito bem alto, desenvergonhado, e doa a quem doer.

Hoje a vida segue. É um dia após o outro, um choque aqui, outro acolá, o bom da vida é ser assim: um desequilíbrio constante. Mesmo que tentemos apagá-lo, meu caro passado, não há nada a jogar fora. Pelo contrário, é esperança estagnada que uma hora há de acordar. Bonito mesmo é dar conta de viver, trapaceando-me quando necessário, enganando-me quando preciso, e conseguindo vomitar tim-tim-por-tim-tim até a última gota, até o fim.

O mundo fica pequeno diante de tudo o que se passa aqui. Dói muito, é, mas passa. Dói e não é pouco. Não vou me enganar na progressão também. Eu só queria mais uma coisa, por fim. Eu queria que você soubesse do tanto amor que eu ainda tenho por você, que eu aceitei que nunca irei te esquecer e que você sempre estará dentro de mim. Mesmo estando longe, eu te amo. E talvez ame para o resto da vida, por mais que a recíproca não seja verdadeira. Eu amo mesmo e, não se engane, também talvez te odeie. Mas isso eu não sei. É, acho que não. Só sei que eu achei que seria bom te contar tudo isso, que é para você sentir o quanto é bom saber que existe dentro de alguém, mesmo com todas as controvérsias, e que esse alguém sou eu.

Afinal, você me chamou de lindo em grego, em romeno e até em pataxó. E eu, bom, eu acreditei. Mas, a vida lá fora me chama. Afirmaram-me, há pouco, que o luto é necessário, é presença firme e forte. Com a sua licença, agora, devo retirar-me. Vou lá encará-lo.

 Confesso que não conhecia Caio Fernando Abreu até outro dia, mas me reconheci nos textos dele e acabei por me sentir a sua cópia mais fiel, por mais que nunca antes tivesse lido a sua obra. Agora que o conheço, senti-me na obrigação de tentar copiá-lo, mas agora de forma cuspida, escarrada e pra lá de escancarada. Um texto meu, mas livremente inspirado em seus pensamentos, em sua alma, em sua melancolia.


Caio, obrigado. 

Um comentário:

  1. “Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada ‘impulso vital’. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como ‘estou contente outra vez’” Caio Fernando Abreu

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