domingo, 4 de dezembro de 2011

Meio sim, meio não, meio ebulição

Hoje eu acordei um pouco estranho. Estou me sentindo surdo, por não entender, um pouco cego, por não enxergar, um pouco maldito, por não conseguir me lembrar de ontem. Hoje eu não sonhei, é verdade, e isso é ruim, eu acho, acordei com o livro de ontem à noite em cima do meu peito, não me recordo muito bem da página que eu parei, o marcador caiu no chão durante a noite e talvez, por isso, eu tenha acordado assim, e talvez, concluo, o aqui e o agora não sejam o meu lugar.

Mas vai passar, eu sei que passa, tudo passa, mesmo não querendo, uma hora passa.

Mas os meus dias, ao contrário de hoje, têm sido bem divertidos também. É impressionante como não me encontro mais naquele de outrora, não me reconheço mais, sinto-me um estranho em mim, revelo-me em singelos atos despretensiosos nos meus dias. Ontem mesmo, eu chorei assistindo ao noticiário esportivo do almoço, anteontem eu chorei com um espetáculo de teatro, me reconheci nos atores e depois, mais tarde, eu ri desenfreadamente com um filme de terror, daqueles do tipo bem trash, aposto que isto nunca lhe ocorreu.

Mas vai passar, eu sei que passa, tudo passa, mesmo não querendo, uma hora passa.

E amanhã, certamente, eu vou rir ou chorar com algo novo e ainda não terei me livrado da overdose por todas aquelas drogas pesadas e sequenciais da semana passada. E não eram drogas do tipo tradicionais. Ando embriagado de mim, dos meus livros, dos meus filmes e da minha escrita também. Então eu vou andar na chuva, vou com o meu guarda-chuva azul, ou talvez com o vermelho, andar, andar, andar, cantar e sorrir, reencontrar-me nessa minha vida sem mim.

Mas vai passar, eu sei que passa, tudo passa, mesmo não querendo, uma hora passa.

Aí então eu preferi ficar assim, me aceitando enquanto eu conseguir, dançando, cantando e sorrindo, me preferindo enquanto der, sem me redimir de mim, ou enquanto eu puder. Afinal de contas, eu estou apaixonando-me por mim e deixei envolver-me nessa história. Muito embora, naturalmente, eu deva reconhecer que não haja lugar mais perigoso e traiçoeiro do que a minha própria mente, que não há lugar mais frio, mais longe e mais distante do que a minha própria alma e que não há lugar mais triste, fraco e mais vazio do que o meu coração, esse menor abandonado encontrado na lixeira ali da esquina. Da esquina de um lugar qualquer. E nem se surgisse outra história de amor por agora, comigo ou consigo, daquelas do tipo pra vida inteira, eu deixaria de me preferir. E não que eu não queira ou que eu não vá te aceitar, mas é que eu me aceitei e me joguei em mim. Estou bem assim.

Mas vai passar, eu sei que passa, tudo passa, mesmo não querendo, uma hora passa.

Não sei de você e nem dos seus planos, das suas estratégias mirabolantes em dar um drible no passado e viver intensamente o presente, fazer um gol de letra, mas comigo vai bem assim, incredulamente duvidoso enquanto tudo isso durar. E mesmo sem saber explicar direito, se é dor, se é amor, se é calor, se é o cheiro da flor do vizinho ou se ainda são as drogas pesadas da semana passada, eu sei que os meus dias têm sido assim, meio bons, meio ruins, meio silêncio, meio diversão, meio inquietude, meio solidão, meio sim, meio não, meio ebulição.

Mas vai passar, eu sei que passa, tudo passa, mesmo não querendo, uma hora passa.

2 comentários:

  1. Letras de macarrão, fazem poema concreto...

    ResponderExcluir
  2. Amei! enquanto voce escrevia eu andava na chuva fina e fria do inverno. A cidade pequena e burguesa da França tradicional é um mimo no Natal. O centro cheio, crianças e luzes enfeitando. A gente quase esquece que a festa esta à venda... Voltando pra casa, na ruela estreita, com janelas baixas abertas sobre o passeio, tinha solidao o bastante para eu poder sentir a chuva.. me lembrei pela enesima vez que foi aqui que aprendi a andar na chuva... sem guarda chuva vermelho ou azul... encontro seu texto, e a chuva muda, vira tempestade tropical... me obriga a pegar um guarda chuva enorme para ir fechar a porta da garagem antes que o vento sobre o portao agrida a lataria do carro estacionado... Dentro de casa novamente (molhada, claro!) sorrio pra voce. Sim, voce mesmo : o guarda chuva era xadrez: azul e vermelho!!!
    Tudo passa, sempre passa, vai passar, mesmo que a gente nao queira... Mas outras coisas chegam, nem assim tao novas, como o velho guarda chuva xadrez, que não é nem bom nem ruim... mas ganhou vida porque um outro, la do outro continennte pensava em guarda chuvas azuis ou vermelhos....
    Acho lindo assim, no seu tempo. Nossa vida e nosso tempo não sao finalmente a mesma coisa?
    Acho mesmo que nao tem certo nem errado, tem ebuliçao e solidao... e todo o resto passa... So nao passa o que passou, pois essa passado marcande é "a dimmensao vertical" do nosso presente. So nao passa o que ainda nao passou, pois o desejo do futuro é a "dimensao vetorial" do nosso presente: para onde caminhamos - nos e nosso passado - mesmo sabendo que o caminho nao tem nenhuma destinaçao.... ele se faz passo à passo.... e caminhamos para saber onde vamos....

    ResponderExcluir