quarta-feira, 30 de novembro de 2011

As leis de incentivo e as peripécias da sala ao lado

Não leve a sério, leia na boa, sem preconceitos, é só mais um desabafo com pontinhas de verdade. Encare esse texto como quiser, ou como puder, tenda a divertir-se. Se não rolar, queime-o depois de ler, tá tudo certo. Mas se gostar, querido companheiro, compartilhe-o e vem comigo, porque o barco já tá saindo.

Novembro está acabando, hoje é dia 30, o último para inscrevermos propostas para a lei rouanet no salicweb, o sistema virtual do MinC. Depois disso, meus camaradas, só em fevereiro do ano que vem. Não deu, blau blau. “E o seu, já foi?”. Essa era a pergunta do dia na rádio-peão da empresa. “Não, não foi”.

E o dia começou bem, estávamos todos naquela levada de ú-hú!, oba-oba, vamos conseguir, o ano está acabando, coisa e tal, mas próximo da hora do almoço eu comecei a suspeitar das meninas aqui da sala ao lado, certos movimentos sigilosos, sensíveis mudanças comportamentais – e são todas meninas, mas aparentemente não estavam de tpm -, o vazio e o silêncio sobrepunham-se àquele singelo clima do início do dia. Fiquei preocupado, pois elas se prepararam arduamente nas últimas semanas para enfim tirarem férias do salic, aquela coisa toda, e aos poucos fui vendo as suas faces murcharem, não eram mais tantas flores assim, começaram a se tomar por um ódio espinhento e demasiadamente único. São todas dóceis, adoro-as, mas assustei-me quando comecei a ouvir gritinhos algo do tipo “o salic não funciona!”, “essa merda trava toda hora!”, e coisas um pouco piores também, do tipo censuradas-para-cidadãos-em-níveis-avançados-de-interação-com-o-salic e que nutrem certa simpatia por ele, como eu, aquele bonitinho de uma figa. Achei tudo um pouco estranho, eu costumo defender o salic, então comecei a dar alguns telefonemas para passar a limpo, entrei nas redes sociais, alguns outros amigos estavam emputecidos também, ouvi vários “porra, caralho, essa merda não funciona!”, “avisa o MinC aí que eu vou mandar matá!”, “#foraanadehollanda!”, e por aí vai... Pronto, ferrou, queimei a língua de novo.

O salic é lindo, foi criado com a melhor das intenções, queriam evitar os mais de 10 mil projetos em trânsito (e em papel) de outrora, dar celeridade a certos processos, pois cada análise demorava cerca de quatro a cinco meses, para se conseguir falar no MinC era preciso quase que um parto, “moço, morrendo, me atende!”, quando não comprávamos passagens e íamos lá em Brasília apenas para perguntar “e aí, como está o meu projeto?”, “está em análise sr., próximo da fila?”. Ponto final. Era duro. Mas ele veio aí, mesmo aos trancos e barrancos, desburocratizou e melhorou a nossa vida. Tornou possível uma gestão de gente grande nesse universo artístico pra lá de capenga.

Só que, especialmente em dias como hoje, fica um quezinho de falta – e aí não é uma crítica direta ao poder e nem a ninguém em especial, mas ao processo -, fica essa sensação do avanço pela metade, falta algo, sinto que me deram a carcaça apenas, algo bem parecido com aquelas novelas mexicanas que assistíamos na telona, na adolescência, e que do nada mudaram para o HD. A cara mudou, ficou linda, mas e por dentro?

E aí hoje, no calor da situação, de uma forma bem passional e nada coerente, resolvi falar das leis sem preocupação com dados ou detalhes, e não venham me pedir para aprofundar-me em outros mecanismos, na política, etc, eu quero só falar delas e me dei esse direito. Costumo chamá-las de ferramentas de sobrevivência. Porque, no final das contas, é isso que mesmo que elas são. Dependemos. E como em matéria de sobrevivência não se brinca, é sempre prudente e saudável que se coloque alguns pingos nos is e que se jogue um questionamento ou outro.

Penso, então: por que o salic fecha de dezembro a janeiro? Eu não esperava por isso. E logo a lei rouanet, que sempre foi celebrada por receber propostas o ano todo, afinal a caixa da isenção fiscal nunca fecha, nunca conseguimos captar tudo... A resposta é que existem processos internos importantíssimos a serem feitos nessa época, em tese a classe toda está de férias (?), tem a questão orçamentária, enfim, processos. Eu até entendo, só não concordo muito. Porque existe uma coisa – e aí a carapuça pode servir para a lei municipal e para a lei estadual também – que se chama o arranjo do caos, a adequação às especificidades e às peculiaridades da matéria, no caso o nosso mercado. A minha bandeira passa muito por aí: aceitem o caos, queridos companheiros! Por que não? Todos sabemos, no final das contas - e isso não se muda da noite para o dia - que é no 2º semestre que as coisas acontecem. A maioria dos festivais, as montagens, as peças, os prêmios, quase tudo. E aí não podemos dar as costas e aceitarmos esse finge que finge, me deixa, o outro empurra, “beijo, não me liga”, enquanto ficamos todos nesse corre danado.

Entre julho e agosto, por exemplo, temos a lei estadual. 45 dias. Ufa, é uma correria só. E é justamente quando estamos em produção, é quando geralmente – muito embora raramente - conseguimos captar algum dindin, e aí temos que parar, ficar madrugadas adentro escrevendo, escrevendo, escrevendo, dando uma ajeitadinha na produção também, sabe como é, a gente dá um jeitinho pra tudo. Mas, precisamos? Por que a lei estadual não é igual à lei rouanet, por exemplo? Por que a lei rouanet não é igual antigamente? Por que não ficam abertas o ano todo e utilizam os mesmos processos e formulários, proposta que faço a tempos? A resposta é aparentemente simples: não possui uma comissão fixa, não tem orçamento, não dá para ter pareceristas externos, etc, etc, etc. A gente entende, tamo aí pra discutir mesmo. Mas eu, particularmente, fico com uma pulga atrás da orelha, pensando se não seria bem mais fácil batalhar por uma estrutura de análise diluída ao longo do ano do que ficarmos nesse sofrimento de escreve-se-em-45-dias-dá-o-sangue-sua-quase-morre-depois-avalia-se-em-90-dias-angustia-se-todo-o-mercado-e-o-resultado-só-sai-perto-do-natal...

Pois é, na lei municipal é a mesma coisa. Um pouco pior, na verdade, pois é lançada quando a outra ainda está aberta, e aí é um deus nos acuda mesmo, a sorte é que todo mundo fica copiando e colando – e isso é óbvio pra chuchu – com o trabalho ainda de ficar adequando textos, reduzindo alguns caracteres porque os formulários são diferentes... deixa pra lá!

Outro dia, ouvi: “por que os senhores não se planejaram antes?”. Claro, devíamos. Concordo, mas só em partes. Não existe aquela máxima do tratar o diferente como tal? Princípios e princípios, meus camaradas. Porque enquanto você está aí do lado de trás do balcão, eu poderia estar me planejando, certo? É, senhor, exato. Pois é... Mas, infelizmente tem o acaso, a vida é assim mesmo, sabe, tive de fazer uma escolha entre conseguir executar o atual projeto – porque eu preciso pagar contas, o meu filho precisa ir para a creche, a gasolina aumentou, aquela coisa toda – a ficar me planejando para escrever os novos, sabe como é, não sobra muito tempo e hoje em dia só dá para viver de duas coisas, da comida e da lei, né dr.? Aí, moço, o planejamento ficou de lado, não deu, tive que correr de última hora. Que merda... Seja bem-vindo ao nosso universo.

Então batalhemos. Porque, meus caros, dói muito ouvir coisas do tipo “inscrever projeto no último dia é igual ao imposto de renda, se deixar para a última hora corre o risco de não conseguir”. Pera lá, seu guarda, se você me deu um prazo até o dia tal eu tenho direito por lei, tá lá nas instruções, nas súmulas, nos editais, em todos esses processinhos aí que confundem a nossa cabeça! Essa pauta aí é para outra seara, como já falei acima, o prazo é o prazo e o fato é que o salic, hoje, aos quarenta e sete do segundo tempo, pifou. Pifou antes até.

Coisas como essas me fazem lembrar da época dinossáurica – como ainda é um pouco com a lei estadual e a lei municipal –, lá pelo menos poderíamos recorrer aos lápis, às máquinas de escrever, grampeadores, ficaríamos desesperados porque a tinta acabou, correríamos, faríamos a agência de correios nos esperar, aquela história toda. Se a pauta for a organização e o planejamento, aí vamos para um outro lugar. Estamos apenas falando de um sistema que não funciona direito. E ponto. Afinal, meus caros, vocês não podem querer exigir esse parangolé todo de uma classe que não tem nem 1% do orçamento, pode Arnaldo?

Portanto, devastemos essas churumelas, gritemos mesmo, passemos por cima, quem mata cachorro a grito todo dia é a gente, e que depois ainda vai captar, vai pro palco, produz, tudo junto e misturado, e também presta contas no final de tudo. E isso não é porque queremos, é porque é o máximo que podemos. As leis são parte da minha vida hoje, trato-as como pessoas, tenho certa intimidade com elas e por isso eu tomo essas dores. Me chateia muito tudo isso. E o pior é saber que de momento não temos muito para onde caminhar, é como se exigissem que fôssemos todos formados pela Fundação Getúlio Vargas, enquanto alguns de nós ainda precisam vender os sapatos para subir ao palco. Aqui não é sanitário!

2 comentários:

  1. ai ai! eu que estava sonhando com esse 30 de novembro, agora to ai vivendo o pesadelo da vida online.

    =/

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  2. é, menina da sala ao lado, tratemos isso como um... batismo?!

    =]

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