domingo, 6 de novembro de 2011

Para Chico

Chico,

Ontem, eu comecei a sentir aquele frio na barriga que não me vinha há tempos, não me lembrava dessa sensação, comecei a contar as horas e aguardar ansiosamente pelo show de terça, tão esperado há cinco anos, desde a última vez em que você se foi cantando suavemente João e Maria com um sorrisão daqueles bem marotos no rosto, lembra, no último bis dos três que você fez no seu último show aqui em beagá. Foi lindo. Mas, não foi aí que tudo começou. Vou te contar como foi.

Foi há algumas semanas, e eu estava bem longe daqui de beagá, eu estava em São Paulo e acabei comprando o seu novo disco, Chico, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional da Avenida Paulista. E logo lá, na terrinha da garoa, bem longe do Leblon e da Penha que você tanto adora. Lembro-me de ter mandado um sms para a minha amiga Lívia Deodato, jornalista, perguntando sobre como chegar lá. Foi um ato contraditório, eu sei, me desculpe, mas eu fiquei desesperado e já não aguentava mais, afinal era hora de decorar (de novo) todas as suas músicas, me preparar para o seu show, eu não poderia esperar que a Biscoito Fino abrisse uma loja aqui na esquina de casa, sabe?

Mas, logo que voltei, a rotina me pegou, voltei a escutar aquelas músicas que me acompanhavam há meses, nenhuma sua, confesso, o disco ficou lacrado e guardadinho na mesma sacola que veio de sampa, junto com o meu novo Moleskine e o livro da Clarice que eu também comprei. Acho que, no fundo, ele bem sabia a hora de começar a me chantagear, tanto que o fez logo agora, nesse fim de semana assim pacato, calmo, tranquilo e singelo, é talvez a calmaria se anunciando antes da tempestade. Afinal, o show de terça está chegando, e hoje eu escutei seis vezes, sem parar, com o repeat ligado a toda, o tempo todo, ouvi todas as suas novas canções ininterruptamente. Cada vez que o telefone tocava ou que o vizinho chato me gritava eu ficava puto. Muito bravo e arredio. Como fiquei novamente há pouco, quando estava aqui bem escutando Tipo um Baião, a faixa quatro do seu disco novo, estava naquela passagem que diz mais ou menos assim: “não sei para que, outra história de amor a essa hora, porém você diz que está tipo a fim de se jogar de cara num romance assim, tipo para a vida inteira”.

Há quem diga que o disco é ruim, sabe, todos aqueles críticos que saíram do armário à sua caça, à nossa, tentando te criticarem pela culatra, esse seu novo disco, e também há quem diga que os trinta minutos poderiam ser um pouco mais, enfim, uns quarenta e cinco, eram cinco anos de espera, sei não, confesso que fiquei um pouco desconfiado... Mas, depois de ouvi-lo, sei que a mim serviu, tudo passou rapidinho. Pode ser que aos outros não, mas pra mim foi a dose certa. É lindo. Me inspirou, empolgou-me vezes dois para o show de terça, fez lançar-me brutalmente da cadeira para o toca-discos algumas vezes durante esse fim de semana. Agora, por exemplo, enquanto estou redigindo essa carta, coloquei Sem Você 2 mais algumas vezes no repeat. É aquela passagem, assim, meio sem você. “Sem você é o fim do show. Tudo está claro, é tudo tão real. As suas músicas você levou, mas não faz mal. Sem você, dei para falar a sós. Se me pergunto onde ela está, com quem. Respondo trêmulo, levanto a voz, mas tudo bem. Pois sem você, o tempo é todo meu, posso até ver o futebol, ir ao museu, ou não, passo o domingo olhando o mar, ondas que vêm, ondas que vão. Sem você é um silencia tal, que ouço uma nuvem a vagar no céu, ou uma lágrima cair no chão, mas não tem nada, não”. A carapuça me serviu, claro. Fiquei com saudades. Saudades do passado, saudades de mim, saudades de você. Tanto que hoje, Chico, estou aqui novamente a escrevê-lo, pois me deu muita vontade de saber como vai você, como está, onde está, com quem, parece-me inspirado como outrora, fiquei com vontade de saber tudo isso, também fiquei um pouco confuso, algumas letras contraditórias, acho que está apaixonado de novo, então decidi falar.

O seu novo disco é doce, como os antigos, é samba, como você, e me derrete, como todos os outros. O seu disco conseguiu fazer-me o que só você mesmo havia feito, e a última vez foi há cinco anos com o seu Carioca, já faz tempo, foi ele que também me obrigou a tantos e tantos repeats com Dura na Queda, Outros Sonhos e Subúrbio. Gosto de outros e outras também, claro, assumo, escuto, mas nunca desse jeito tipo assim sem parar como o fiz neste fim de semana e como sempre o farei com você, seja sozinho na estrada, em casa, na praia, seja com os amigos, bem ou mal acompanhado. Você, Chico, sempre me cai bem.

Teve uma frase que ficou famosa há tempos aqui em beagá, acho que no país inteiro, não sei se chegou até você, não sei bem como era, era mais ou menos assim: “para o Chico Buarque, até eu toparia ser corno”. E eu me lembro bem, já faz alguns anos que escutei a primeira vez, essa carapuça aí também me serviu. Eu adoraria que a minha mulher desse para o Chico Buarque. Que frase de peso, claro, quem não gostaria que atire a primeira pedra... Imagine-me lá, no botecão meio intelectual, meio de esquerda de sábado com os amigos e algumas amigas que há tanto queria paquerar, mas que nunca surgia aquela oportunidade, eu solto uma dessas, do tipo, “porra velho, você não sabe da última, a minha mulher deu para o Chico Buarque”. Seria um susto, não saberia antever as reações, mas seria também um achado. Eu não tenho a menor dúvida de que os caras me achariam o cara – ou o segundo cara, porque você é o primeiro – e que todas as gatinhas a espera da paquera se tornariam presas bem mais fáceis, pois afinal de contas seria o caminho mais curto para ficarem com o Chico Buarque, assim, de tabela. “Fiquei com o cara cuja mulher deu para o Chico Buarque”. Imagine, puta que o pariu, seria foda. Daríamos uma dupla e tanto. Eu, você e todas as donzelas que queriam dar-te de tabela. Você aí, do tipo compositor, e eu aqui, do tipo mentiroso oportunista. E nesse fim de semana eu acho que acabei progredindo, acho que agora eu mesmo daria para você. É esquisito dizer isso, pois não, eu não sou gay, eu não desejo outros homens, fique tranquilo, pois eu estou, eu sou muito bem resolvido quanto à minha sexualidade, mas você devora o meu cérebro, assim, de uma maneira tão voraz e sagaz, consome a minha alma sem deixar vestígios, sei lá, acho que eu me daria ao luxo de dar para você. Eu daria o meu cérebro inteirinho para você, nem que fosse por uma noite, assim talvez em um trago daqueles sete cigarros que você fuma por dia eu eu poderia conseguir achar uma brecha e roubar, quem sabe, uma dúzia dessas palavrinhas sedutoras, maliciosas, deliciosas e despretensiosas que tão facilmente saem da sua boca. Tem inclusive uma passagem da sua música Nina, acho que é a oitava do disco, que me faz criar um pouco mais de coragem, assim, de desapego para conseguir tentar, acho que é mais ou menos assim: “Nina anseia por me conhecer em breve, me levar para a noite de Moscou. Sempre que esta valsa toca, fecho os olhos, bebo alguma vodca, e vou”.

E foi. Ele foi. Você foi. Uma hora vou eu. Tenho que te contar dos tantos e tantos que sonham, suspirando, imaginando-se um dia, quem sabe, ver você chamando-os de Aurora, Aurélia, Ariela, Glorinha, Maristela, Teodora ou Nina, as suas novas musas. Mal sabem eles, pobre coitados, que todas essas aí agora são chamadas por Thaís. Ah, essa Thaís Gulin... Eu, tu, eles, a minha tia, a minha mãe, a minha ex, a minha professora, a minha chefe, a minha amiga, a mulher do vizinho, o meu amigo mais machista, o porteiro do prédio ao lado e até a mulher do padre. Todos queriam ser Thaís. 

Sei que, Chico, você me faz, assim, mais saltitante. Sei lá, é bem esquisito te dizer tudo isso. Mas, se eu conseguisse processar todas as minhas alucinações na mesma velocidade em que o meu cérebro viaja, hoje eu escreveria um livro inteiro. Um livro sobre você, inspirado em você, nas suas músicas, um livro meu para você. Eu teria a ousadia de escrever-te uma música. Pois hoje, Chico, o texto é todo seu. A minha inspiração é sua. Eu sou. A minha mente é. E eu, bem, eu poderia morrer musicalmente depois dessa, assim, num romance tipo pra vida inteira comigo mesmo, com as suas letras, com a sua música, com a sua vodca, com a sua alma.

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